«O paradoxo de eu te atribuir uma identidade: nunca a rosa foi um exterior a si ou as pétalas, a epiderme da flor. Nunca quisemos nomear deus. Escapámos a toda a semântica. E dissemo-nos tantas vezes que o amor não é um deslumbramento. O amor é um vislumbre, e por isso tu estarás sempre ausente de mim e eu de ti»... Isto escreve Isabel Aguiar Barcelos a António Ramos Rosa. Ele responde.
«O que é uma árvore? Um ser que te ignora e nos ignora? Nós designamos tudo, determinamos, sabemos tudo. Uma árvore é um ser como uma formiga ou uma bactéria, mas é uma árvore. Nós determinamos tudo e perdemos a continuidade infinita do cosmos, do amor, da infância, da nudez. Nós somos como todos, mas fora da banalidade instruída, fora da perversão da humanidade socializada. Nós somos obscuros personagens de uma condição obscura. Não procuro que me esclareças. Sou um bicho que não sabe responder, determinar, mas quer partilhar o seu insondável enigma, o seu desamparo cósmico, a sua impossibilidade fatal de existir. A minha pele não é a de um homem seco e delimitado por axiomas ou por uma ideologia.»
O livro em epístolas pendulares desenrola-se, na tese prefaciadora de Hélia Correia, neste «encontro amoroso» de dois bichos escreventes, de duas linguagens forjadas na «imaginação selvagem» cuja leitura-visita apela à «inspiração do receptor».
António Ramos Rosa nasceu em Faro em 1924. Em Lisboa trabalhou num escritório, ao mesmo tempo que traduziu, escreveu, fez crítica literária e dirigiu revistas da especialidade como a Árvore, Cassiopeia e Cadernos do Meio-Dia. Acabaria por se dedicar em exclusivo à tradução e à escrita. Entre as distinções que recebeu destacam-se o Prémio Pessoa de 1988, o de Poeta Europeu da Década, atribuído pelo Collège de l’Europe em 1991, o Prémio Ruy Belo de 2001 e o Prémio Sophia de Mello Breyner Andresen de 2005. Isabel Aguiar Barcelos nasceu no Funchal em 1958. É professora de Português do Ensino Secundário. Em 1990 recebeu o Prémio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores com o livro Sandálias do Tempo. Publicou poesia, histórias infantis e contos, constando em várias antologias do género. Em 2001 obteve a Bolsa de Criação Literária/Poesia, do Ministério da Cultura, da qual resultou o livro Nunca se Regressa ao Mesmo Lugar.