«A pequena acordou e acendeu a luz. Ouvia a Voz da avó, parecia um gemido interminável que se misturava com os risos da televisão. Sentada na cama abriu uma gaveta, tirou um caderno quadriculado e um minúsculo pêndulo de madeira suspenso de uma corrente de ouro. Abriu o caderno na primeira página. Tinha traçado, ou alguém por ela, um grande círculo com as letras do alfabeto. Segurou a corrente de ouro alto, no centro do círculo e o pêndulo começou a girar a toda a velocidade. «Beijar.» «Gert.» «Puta.» Mexia os lábios ao ler. A cara mantinha-se imperturbável. «Dan-dançar no Erm-Ermitage.» «Delta.» «Delta de sangue.»
Começa assim o quinto livro de Mafalda Ivo Cruz. Nascida numa família de músicos, em 1959, concluiu o curso de piano no Conservatório de Lisboa e foi bolseira do Governo francês, dedicando-se depois ao ensino de música. Em 1995 publicou Um Requiem Português, um primeiro romance bem recebido pela crítica. Em 2000 publicou A Casa do Diabo, em 2001 O Rapaz de Boticelli (Prémio Pen Club), e em 2003 Vermelho (Grande Prémio de Romance e Novela da APE).
É colaboradora habitual do jornal Público, no suplemento literário «Mil Folhas», e da revista Rodapé, da Biblioteca de Beja.