Canto V, 16/25





Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões.
Canto V, 16/25 por Teresa Lago.

Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009.


Canto V

16
"Contar-te longamente as perigosas
Coisas do mar, que os homens não entendem:
Súbitas trovoadas temerosas,
Relâmpados que o ar em fogo acendem,
Negros chuveiros, noites tenebrosas,
Bramidos de trovões que o mundo fendem,
Não menos é trabalho, que grande erro,
Ainda que tivesse a voz de ferro.

17
"Os casos vi que os rudos marinheiros,
Que têm por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as cousas só pela aparência,
E que os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho e por ciência,
Vêem do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos, ou mal entendidos.

18
"Vi, claramente visto, o lume vivo
Que a marítima gente tem por santo
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura e triste pranto.
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e coisa certo de alto espanto,
Ver as nuvens do mar com largo cano
Sorver as altas águas do Oceano.

19
"Eu o vi certamente (e não presumo
Que a vista me enganava) levantar-se
No ar um vaporzinho e subtil fumo,
E, do vento trazido, rodear-se:
Daqui levado um cano ao pólo sumo
Se via, tão delgado, que enxergar-se
Dos olhos facilmente não podia:
Da matéria das nuvens parecia.

20
"Ia-se pouco e pouco acrescentando
E mais que um largo masto se engrossava;
Aqui se estreita, aqui se alarga, quando
Os golpes grandes de água em si chupava;
Estava-se coas ondas ondeando:
Em cima dele uma nuvem se espessava,
Fazendo-se maior, mais carregada
Co'o cargo grande d'água em si tomada.

21
"Qual roxa sanguessuga se veria
Nos beiços da alimária (que imprudente,
Bebendo a recolheu na fonte fria)
Fartar co'o sangue alheio a sede ardente;
Chupando mais e mais se engrossa e cria,
Ali se enche e se alarga grandemente:
Tal a grande coluna, enchendo, aumenta
A si, e a nuvem negra que sustenta.

22
"Mas depois que de todo se fartou,
O pó que tem no mar a si recolhe,
E pelo céu chovendo enfim voou,
Porque coa água a jacente água molhe:
As ondas torna as ondas que tomou,
Mas o sabor do sal lhe tira e tolhe.
Vejam agora os sábios na escritura,
Que segredos são estes de Natura.

23
"Se os antigos filósofos, que andaram
Tantas terras, por ver segredos delas,
As maravilhas que eu passei, passaram,
A tão diversos ventos dando as velas,
Que grandes escrituras que deixaram!
Que influição de signos e de estrelas!
Que estranhezas, que grandes qualidades!
E tudo sem mentir, puras verdades.

24
"Mas já o Planeta que no céu primeiro
Habita, cinco vezes apressada,
Agora meio rosto, agora inteiro
Mostrara, enquanto o mar cortava a armada,
Quando da etérea gávea um marinheiro,
Pronto coa vista, "Terra! Terra!" brada.
Salta no bordo alvoroçada a gente
Co'os olhos no horizonte do Oriente.

25
"A maneira de nuvens se começam
A descobrir os montes que enxergamos;
As âncoras pesadas se adereçam;
As velas, já chegados, amainamos.
E para que mais certas se conheçam
As partes tão remotas onde estamos,.
Pelo novo instrumento do Astrolábio,
Invenção de subtil juízo e sábio,