Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões.
Sonetos de Camões por Hélder Macedo - Parte II.
Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009.
Um mover de olhos, brando e piadoso
Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quê; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;
Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Ua pura bondade, manifesto
Indício da alma, limpo e gracioso;
Um encolhido ousar; ua brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;
Esta foi a celeste fermosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.
Ah, minha Dinamene assi deixaste
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa! Já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!
Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?
Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!
Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenho por pouco o viver triste?
O céu, a terra, o vento sossegado
O céu, a terra, o vento sossegado...
As ondas, que se estendem pela areia...
Os peixes, que no mar o sono enfreia...
O nocturno silêncio repousado...
O pescador Aónio, que, deitado
Onde co'o vento a água se meneia,
Chorando, o nome amado em vão nomeia,
Que não pode ser mais que nomeado:
– Ondas – dizia – antes que Amor me mate,
Tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
Me fizestes à morte estar sujeita.
Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
Move-se brandamente o arvoredo;
Leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.