Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões.
Sonetos de Camões por Hélder Macedo - Parte III.
Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009.
Que poderei do mundo já querer
Que poderei do mundo já querer,
Que naquilo em que pus tamanho amor,
Não vi senão desgosto e desamor,
E morte, enfim, que mais não pode ser?
Pois vida me não farta de viver,
Pois já sei que não mata grande dor,
Se cousa há que mágoa dê maior,
Eu a verei, que tudo posso ver.
A morte, a meu pesar, me assegurou
De quanto mal me vinha; já perdi
O que a perder o medo me ensinou.
Na vida, desamor somente vi;
Na morte, a grande dor que me ficou.
Parece que pera isto só nasci!
Erros meus, má fortuna, amor ardente
Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
Eu cantei já, e agora vou chorando
Eu cantei já, e agora vou chorando
O tempo que cantei tão confiado;
Parece que no canto já passado
Se estavam minhas lágrimas criando.
Cantei; mas se me alguém pergunta quando,
Não sei; que também fui nisso enganado.
É tão triste este meu presente estado,
Que o passado por ledo estou julgando.
Fizeram-me cantar, manhosamente,
Contentamentos não, mas confianças;
Cantava, mas já era ao som dos ferros.
De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças,
Onde a Fortuna injusta é mais que os erros?
Em prisões baixas fui um tempo atado
Em prisões baixas fui um tempo atado,
Vergonhoso castigo de meus erros;
Inda agora arrojando levo os ferros,
Que a Morte, a meu pesar, tem já quebrado.
Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
Que Amor não quer cordeiros nem bezerros;
Vi mágoas, vi misérias, vi desterros,
Parece-me que estava assim ordenado.
Contentei-me com pouco, conhecendo
Que era o contentamento vergonhoso,
Só por ver que cousa era viver ledo.
Mas minha Estrela, que eu já agora entendo,
A morte cega e o caso duvidoso
Me fizeram de gostos haver medo.
Verdade, Amor, Razão, Merecimento
Verdade, Amor, Razão, Merecimento
Qualquer alma farão segura e forte,
Porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte
Têm do confuso mundo o regimento.
Efeitos mil revolve o pensamento,
E não sabe a que causa se reporte;
Mas sabe que o que é mais que vida e morte
Que não o alcança humano entendimento.
Doutos varões darão razões subidas,
Mas são experiências mais provadas,
E por isso é melhor ter muito visto.
Cousas há i que passam sem ser criadas,
E cousas criadas há sem ser passadas.
Mas o melhor de tudo é crer em Cristo.
Correm turvas as águas deste rio
Correm turvas as águas deste rio,
Que as do Céu e as do monte as enturbaram;
Os campos florescidos se secaram;
Intratável se fez o vale, e frio.
Passou o Verão, passou o ardente Estio;
Uas cousas por outras se trocaram;
Os fementidos Fados já deixaram
Do mundo o regimento ou desvario.
Tem o tempo sua ordem já sabida;
O mundo não; mas anda tão confuso,
Que parece que dele Deus se esquece.
Casos, opiniões, natura e uso
Fazem que nos pareça desta vida
Que não há nela mais que o que parece.