Centro Virtual Camões - Camões IP http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1 Sat, 09 Nov 2024 09:34:30 +0000 Joomla! - Open Source Content Management pt-pt naoresponder.plataforma.cvc@fbapps.pt (Centro Virtual Camões) Canto II, 91/98 http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-ii-9198.html http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-ii-9198.html

Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões.
Canto II, 91/98 por Fernando Luís Sampaio.

Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009.


Canto II

91

Respondem-lhe da terra juntamente,
Co'o raio volteando, com zunido;
Anda em giros no ar a roda ardente,
Estoura o pó sulfúreo escondido.
A grita se alevanta ao céu, da gente;
O mar se via em fogos acendido,
E não menos a terra; e assim festeja
Um ao outro, a maneira de peleja.

92

Mas já o Céu inquieto revolvendo,
As gentes incitava a seu trabalho,
E já a mãe de Menon a luz trazendo,
Ao sono longo punha certo atalho;
Iam-se as sombras lentas desfazendo,
Sobre as flores da terra em frio orvalho,
Quando o Rei Melindano se embarcava
A ver a frota, que no mar estava.

93

Viam-se em derredor ferver as praias
Da gente, que a ver só concorre leda;
Luzem da fina púrpura as cabaias,
Lustram os panos da tecida seda;
Em lugar das guerreiras azagaias
E do arco, que os cornos arremeda
Da Lua, trazem ramos de palmeira,
Dos que vencem, coroa verdadeira.

94

Um batel grande e largo, que toldado
Vinha de sedas de diversas cores,
Traz o Rei de Melinde, acompanhado
De nobres e seu Reino e de senhores:
Vem de ricos vestidos adornado,
Segundo seus costumes e primores;
Na cabeça uma fota guarnecida
De ouro, e de seda e de algodão tecida.

95

Cabaia de Damasco rico e dino,
Da Tíria cor, entre eles estimada,
Um colar ao pescoço, de ouro fino,
Onde a matéria da obra é superada,
C'um resplendor reluze adamantino;
Na cinta, a rica bem lavrada;
Nas alparcas dos pés, em fim de tudo,
Cobrem ouro e aljôfar ao veludo.

96

Com um redondo emparo alto de seda,
Numa alta e dourada hástia enxerido,
Um ministro à solar quentura veda.
Que não ofenda e queime o Rei subido.
Música traz na proa, estranha e leda,
De áspero som, horríssono ao ouvido,
De trombetas arcadas em redondo,
Que, sem concerto, fazem rudo estrondo.

97

Não menos guarnecido o Lusitano
Nos seus batéis, da frota se partia
A receber no mar o Melindano,
Com lustrosa e lograda companhia.
Vestido o Gama vem ao modo Hispano,
Mas Francesa era a roupa que vestia,
De cetim da Adriática Veneza
Carmesi, cor que a gente tanto preza:

98

De botões douro as mangas vêm tomadas,
Onde o Sol reluzindo a vista cega;
As calças soldadescas recamadas
Do metal, que Fortuna a tantos nega,
E com pontas do mesmo delicadas
Os golpes do gibão ajunta e achega;
Ao Itálico modo a áurea espada;
Pluma na gorra, um pouco declinada.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Maratona Lusíadas1 Fri, 08 May 2009 09:06:52 +0000
Canto II, 99/113 http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-ii-99113.html http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-ii-99113.html

Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões.
Canto II, 99/113 por Fernando Luís Sampaio.

Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009.


Canto II

99
Nos de sua companhia se mostrava
Da tinta, que dá o múrice excelente,
A vária cor, que os olhos alegrava,
E a maneira do trajo diferente.
Tal o formoso esmalte se notava
Dos vestidos, olhados juntamente,
Qual aparece o arco rutilante
Da bela Ninfa, filha de Taumante.

100
Sonorosas trombetas incitavam
Os ânimos alegres, ressoando;
Dos Mouros os batéis, o mar coalhavam,
Os toldos pelas águas arrojando;
As bombardas horríssonas bramavam,
Com as nuvens de fumo o Sol tomando;
Amiúdam-se os brados acendidos,
Tapam com as mãos os Mouros os ouvidos.

101
Já no batel entrou do Capitão
O Rei, que nos seus braços o levava;
Ele coa cortesia, que a razão
(Por ser Rei) requeria, lhe falava.
C'umas mostras de espanto e admiração,
O Mouro o gesto e o modo lhe notava,
Como quem em mui grande estima tinha
Gente que de tão longe à índia vinha.

102
E com grandes palavras lhe oferece
Tudo o que de seus Reinos lhe cumprisse,
E que, se mantimento lhe falece,
Como se próprio fosse, lho pedisse.
Diz-lhe mais, que por fama bem conhece
A gente Lusitana, sem que a visse;
Que já ouviu dizer, que noutra terra
Com gente de sua Lei tivesse guerra.

103
E como por toda África se soa,
Lhe diz, os grandes feitos que fizeram,
Quando nela ganharam a coroa
Do Reino, onde as Hespéridas viveram;
E com muitas palavras apregoa
O menos que os de Luso mereceram,
E o mais que pela fama o Rei sabia.
Mas desta sorte o Gama respondia:

104
"Ó tu, que só tiveste piedade,
Rei benigno, da gente Lusitana,
Que com tanta miséria e adversidade
Dos mares experimenta a fúria insana;
Aquela alta e divina Eternidade,
Que o Céu revolve e rege a gente humana,
Pois que de ti tais obras recebemos,
Te pague o que nós outros não podemos.

105
"Tu só, de todos quantos queima Apolo,
Nos recebes em paz, cio mar profundo;
Em ti dos ventos hórridos de Eolo
Refúgio achamos bom, fido e jocundo.
Enquanto apascentar o largo Pólo
As Estrelas, e o Sol der lume ao Mundo,
Onde quer que eu viver, com fama e glória
Viverão teus louvores em memória."

106
Isto dizendo, os barcos vão remando
Para a frota, que o Mouro ver deseja;
Vão as naus uma e uma rodeando,
Porque de todas tudo note e veja.
Mas para o céu Vulcano fuzilando,
A frota coas bombardas o festeja,
E as trombetas canoras lhe tangiam;
Co'os anafis os Mouros respondiam.

107
Mas depois de ser tudo já notado
Do generoso Mouro, que pasmava
Ouvindo o instrumento inusitado,
Que tamanho terror em si mostrava,
Mandava estar quieto e ancorado
N'água o batel ligeiro que os levava,
Por falar de vagar co'o forte Gama,
Nas cousas de que tem notícia e faina.

108
Em práticas o Mouro diferentes
Se deleitava, perguntando agora
Pelas guerras famosas e excelentes
Co'o povo havidas, que a Mafoma adora;
Agora lhe pergunta pelas gentes
De toda a Hespéria última, onde mora;
Agora pelos povos seus vizinhos,
Agora pelos úmidos caminhos.

109
"Mas antes, valeroso Capitão,
Nos conta, lhe dizia, diligente,
Da terra tua o clima, e região
Do mundo onde morais distintamente;
E assim de vossa antiga geração,
E o princípio do Reino tão potente,
Co'os sucessos das guerras do começo,
Que, sem sabê-las, sei que são de preço.

110
"E assim também nos conta dos rodeios
Longos, em que te traz o mar irado,
Vendo os costumes bárbaros alheios.
Que a nossa África ruda tem criado.
Conta: que agora vêm co'os áureos freios
Os cavalos que o carro marchetado
Do novo Sol, da fria Aurora trazem,
O vento dorme, o mar e as ondas jazem.

111
"E não menos co'o tempo se parece
O desejo de ouvir-te o que contares;
Que quem há, que por fama não conhece
As obras Portuguesas singulares?
Não tanto desviado resplandece
De nós o claro Sol, para julgares
Que os Melindanos têm tão rudo peito,
Que não estimem muito um grande feito.

112
"Cometeram soberbos os Gigantes,
Com guerra vã, o Olimpo claro e puro;
Tentou Pirítoo e Teseu, de ignorantes,
O Reino de Plutão horrendo e escuro.
Se houve feitos no mundo tão possantes,
Não menos é trabalho ilustre e duro,
Quanto foi cometer Inferno o Céu,
Que outrem cometa a fúria de Nereu.

113
"Queimou o sagrado templo de Diana,
Do subtil Tesifónio fabricado,
Heróstrato, por ser da gente humana
Conhecido no mundo e nomeado:
Se também com tais obras nos engana
O desejo de um nome avantajado,
Mais razão há que queira eterna glória
Quem faz obras tão dignas de memória."

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Maratona Lusíadas1 Fri, 08 May 2009 09:06:39 +0000
Canto III, 118/129 http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-iii-118129.html http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-iii-118129.html




Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões.
Canto III, 118/129 por Manuel Graça Dias.

Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009.


Canto III

118
"Passada esta tão próspera vitória,
Tornando Afonso à Lusitana terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste, e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que depois de ser morta foi Rainha.

119
"Tu só, tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.

120
"Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.

121
"Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fermosos se apartavam:
De noite em doces sonhos, que mentiam,
De dia em pensamentos, que voavam.
E quanto enfim cuidava, e quanto via,
Eram tudo memórias de alegria.

122
"De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
Que tudo enfim, tu, puro amor, despreza,
Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas
O velho pai sesudo, que respeita
O murmurar do povo, e a fantasia
Do filho, que casar-se não queria,

123
"Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo co'o sangue só da morte indina
Matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra uma fraca dama delicada?

124
"Traziam-na os horríficos algozes
Ante o Rei, já movido a piedade:
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
Ela com tristes o piedosas vozes,
Saídas só da mágoa, e saudade
Do seu Príncipe, e filhos que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava,

125
"Para o Céu cristalino alevantando
Com lágrimas os olhos piedosos,
Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos;
E depois nos meninos atentando,
Que tão queridos tinha, e tão mimosos,
Cuja orfandade como mãe temia,
Para o avô cruel assim dizia:

126
- "Se já nas brutas feras, cuja mente
Natura fez cruel de nascimento,
E nas aves agrestes, que somente
Nas rapinas aéreas têm o intento,
Com pequenas crianças viu a gente
Terem tão piedoso sentimento,
Como coa mãe de Nino já mostraram,
E colos irmãos que Roma edificaram;

127
- "Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é matar uma donzela
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la)
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha.

128
- "E se, vencendo a Maura resistência,
A morte sabes dar com fogo e ferro,
Sabe também dar vicia com clemência
A quem para perdê-la não fez erro.
Mas se to assim merece esta inocência,
Põe-me em perpétuo e mísero desterro,
Na Cítia fria, ou lá na Líbia ardente,
Onde em lágrimas viva eternamente.

129
"Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se neles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei:
Ali com o amor intrínseco e vontade
Naquele por quem morro, criarei
Estas relíquias suas que aqui viste,
Que refrigério sejam da mãe triste."-

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Maratona Lusíadas1 Fri, 08 May 2009 09:06:25 +0000
Canto III, 130/143 http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-iii-130143.html http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-iii-130143.html




Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões.
Canto III, 130/143 por Manuel Graça Dias.

Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009.


Canto III

130
"Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo, e seu destino
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Contra uma dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais, e cavaleiros?

131
"Qual contra a linda moça Policena,
Consolação extrema da mãe velha,
Porque a sombra de Aquiles a condena,
Co'o ferro o duro Pirro se aparelha;
Mas ela os olhos com que o ar serena
(Bem como paciente e mansa ovelha)
Na mísera mãe postos, que endoudece,
Ao duro sacrifício se oferece:

132
"Tais contra Inês os brutos matadores
No colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que depois a fez Rainha;
As espadas banhando, e as brancas flores,
Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, férvidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos.

133
"Bem puderas, ó Sol, da vista destes
Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa de Tiestes,
Quando os filhos por mão de Atreu comia.
Vós, ó côncavos vales, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Por muito grande espaço repetisses!

134
"Assim como a bonina, que cortada
Antes do tempo foi, cândida e bela,
Sendo das mãos lascivas maltratada
Da menina que a trouxe na capela,
O cheiro traz perdido e a cor murchada:
Tal está morta a pálida donzela,
Secas do rosto as rosas, e perdida
A branca e viva cor, coa doce vida.

135
"As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram;
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água, e o nome amores.

136

"Não correu muito tempo que a vingança
Não visse Pedro das mortais feridas,
Que, em tomando do Reino a governança,
A tomou dos fugidos homicidas.
Do outro Pedro cruíssimo os alcança,
Que ambos, imigos das humanas vidas,
O concerto fizeram, duro e injusto,
Que com Lépido e António fez Augusto.

137
"Este, castigador foi rigoroso
De latrocínios, mortes e adultérios:
Fazer nos maus cruezas, fero e iroso,
Eram os seus mais certos refrigérios.
As cidades guardando justiçoso
De todos os soberbos vitupérios,
Mais ladrões castigando à morte deu,
Que o vagabundo Aleides ou Teseu.

138
"Do justo e duro Pedro nasce o brando,
(Vede da natureza o desconcerto!)
Remisso, e sem cuidado algum, Fernando,
Que todo o Reino pôs em muito aperto:
Que, vindo o Castelhano devastando
As terras sem defesa, esteve perto
De destruir-se o Reino totalmente;
Que um fraco Rei f az fraca a forte gente.

139
"Ou foi castigo claro do pecado
De tirar Lianor a seu marido,
E casar-se com ela, de enlevado
Num falso parecer mal entendido;
Ou foi que o coração sujeito e dado
Ao vício vil, de quem se viu rendido,
Mole se fez e fraco; e bem parece,
Que um baixo amor os fortes enfraquece.

140
"Do pecado tiveram sempre a pena
Muitos, que Deus o quis, e permitiu:
Os que foram roubar a bela Helena,
E com Apio também Tarquilio o viu.
Pois por quem David Santo se condena?
Ou quem o Tribo ilustre destruiu
De Benjamim?Bem claro no-lo ensina
Por Sara Faraó, Siquém por Dina.

141
"E pois se os peitos fortes enfraquece
Um inconcesso amor desatinado,
Bem no filho de Alcmena se parece,
Quando em Ônfale andava transformado.
De Marco António a faina se escurece
Com ser tanto a Cleopatra afeiçoado.
Tu também, Peno próspero, o sentiste
Depois que uma moça vil na Apúlia viste.

142
"Mas quem pode livrar-se por ventura
Dos laços que Amor arma brandamente
Entre as rosas e a neve humana pura,
O ouro e o alabastro transparente?
Quem de uma peregrina formosura,
De um vulto de Medusa propriamente,
Que o coração converte, que tem preso,
Em pedra não, mas em desejo aceso?

143
"Quem viu um olhar seguro, um gesto brando,
Uma suave e angélica excelência,
Que em si está sempre as almas transformando,
Que tivesse contra ela resistência?
Desculpado por certo está Fernando,
Para quem tem de amor experiência;
Mas antes, tendo livre a fantasia,
Por muito mais culpado o julgaria.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Maratona Lusíadas1 Fri, 08 May 2009 09:06:06 +0000
Canto IV, 14/23 http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-iv-1423.html http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-iv-1423.html




Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões.
Canto IV, 14/23 por Guilherme D'Oliveira Martins.

Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009.


Canto IV

14
"Mas nunca foi que este erro se sentisse
No forte Dom Nuno Álvares; mas antes,
Posto que em seus irmãos tão claro o visse,
Reprovando as vontades inconstantes,
Aquelas duvidosas gentes disse,
Com palavras mais duras que elegantes,
A mão na espada, irado, e não facundo,
Ameaçando a terra, o mar e o mundo:

15
- "Como!Da gente ilustre Portuguesa
Há-de haver quem refuse o pátrio Marte?,
Como!Desta província, que princesa
Foi das gentes na guerra em toda a parte,
Há-de sair quem negue ter defesa?
Quem negue a Fé, o amor, o esforço e arte
De Português, e por nenhum respeito
O próprio Reino queira ver sujeito?

16
- "Como! Não seis vós inda os descendentes
Daqueles, que debaixo da bandeira
Do grande Henriques, feros e valentes,
Vencestes esta gente tão guerreira?
Quando tantas bandeiras, tantas gentes
Puseram em fugida, de maneira
Que sete ilustres Condes lhe trouxeram
Presos, afora a presa que tiveram?

17
- "Com quem foram contino sopeados
Estes, de quem o estais agora vós,
Por Dinis e seu filho, sublimados,
Senão co'os vossos fortes pais, e avôs?
Pois se com seus descuidos, ou pecados,
Fernando em tal fraqueza assim vos pôs,
Torne-vos vossas forças o Rei novo:
Se é certo que co'o Rei se muda o povo.

18
- "Rei tendes tal, que se o valor tiverdes
Igual ao Rei que agora alevantastes,
Desbaratareis tudo o que quiserdes,
Quanto mais a quem já desbaratasses.
E se com isto enfim vos não moverdes
Do penetrante medo que tomastes,
Atai as mãos a vosso vão receio,
Que eu só resistirei ao jugo alheio.

19
- "Eu só com meus vassalos, e com esta
(E dizendo isto arranca meia espada)
Defenderei da força dura e infesta
A terra nunca de outrem sojugada.
Em virtude do Rei, da pátria mesta,
Da lealdade já por vós negada,
Vencerei (não só estes adversários)
Mas quantos a meu Rei forem contrários."-

20
Bem como entre os mancebos recolhidos
Em Canúsio, relíquias sós de Canas,
Já para se entregar quase movidos
A fortuna das forças Africanas,
Cornélio moço os faz que, compelidos
Da sua espada, jurem que as Romanas
Armas não deixarão, enquanto a vida
Os não deixar, ou nelas for perdida:

21
"Destarte a gente força e esforça Nuno,
Que, com lhe ouvir as últimas razões,
Removem o temor frio, importuno,
Que gelados lhe tinha os corações.
Nos animais cavalgam de Neptuno,
Brandindo e volteando arremessões;
Vão correndo e gritando a boca aberta:
- "Viva o famoso Rei que nos liberta!"-

22
"Das gentes populares, uns aprovam
A guerra com que a pátria se sustinha;
Uns as armas alimpam e renovam,
Que a ferrugem da paz gastadas tinha;
Capacetes estofam, peitos provam,
Arma-se cada um como convinha;
Outros fazem vestidos de mil cores,
Com letras e tenções de seus amores.

23
"Com toda esta lustrosa companhia
Joane forte sai da fresca Abrantes,
Abrantes, que também da fonte fria
Do Tejo logra as águas abundantes.
Os primeiros armígeros regia
Quem para reger era os mui possantes
Orientais exércitos, sem conto,
Com que passava Xerxes o Helesponto.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Maratona Lusíadas1 Fri, 08 May 2009 09:05:50 +0000
Canto IV, 24/32 http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-iv-2432.html http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-iv-2432.html




Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões.
Canto IV, 24/32 por Guilherme D'Oliveira Martins.

Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009.


Canto IV

24
"Dom Nuno Álvares digo, verdadeiro
Açoute de soberbos Castelhanos
Como já o fero Huno o foi primeiro
Para Franceses, para Italianos.
Outro também famoso cavaleiro,
Que a ala direita tem dos Lusitanos,
Apto para mandá-los, e regê-los,
Mem Rodrigues se diz de Vasconcelos.

25
"E da outra ala, que a esta corresponde,
Antão Vasques de Almada é capitão,
Que depois foi de Abranches nobre Conde,
Das gentes vai regendo a sestra mão.
Logo na retaguarda não se esconde
Das quinas e castelos o pendão,
Com Joane, Rei forte em toda parte,
Que escurecendo o preço vai de Alarte.

26
"Estavam pelos muros, temerosas,
E de um alegre medo quase frias,
Rezando as mães, irmãs, damas e esposas,
Prometendo jejuns e romarias.
Já chegam as esquadras belicosas
Defronte das amigas companhias,
Que com grita grandíssima os recebem,
E todas grande dúvida concebem.

27
"Respondem as trombetas mensageiras,
Pífaros sibilantes e atambores;
Alférezes volteam as bandeiras,
Que variadas são de muitas cores.
Era no seco tempo, que nas eiras
Ceres o fruto deixa aos lavradores,
Entra em Astreia o Sol, no mês de Agosto,
Baco das uvas tira o doce mosto.

28
"Deu sinal a trombeta Castelhana,
Horrendo, fero, ingente e temeroso;
Ouviu-o o monte Artabro, e Guadiana
Atrás tornou as ondas de medroso;
Ouviu-o o Douro e a terra Transtagana;
Correu ao mar o Tejo duvidoso;
E as mães, que o som terríbil escutaram,
Aos peitos os filhinhos apertaram.

29
"Quantos rostos ali se vêem sem cor,
Que ao coração acode o sangue amigo!
Que, nos perigos grandes, o temor
É maior muitas vezes que o perigo;
E se o não é, parece-o; que o furor
De ofender ou vencer o duro amigo
Faz não sentir que é perda grande e rara,
Dos membros corporais, da vida cara.

30
"Começa-se a travar a incerta guerra;
De ambas partes se move a primeira ala;
Uns leva a defensão da própria terra,
Outros as esperanças de ganhá-la;
Logo o grande Pereira, em quem se encerra
Todo o valor, primeiro se assinala:
Derriba, e encontra, e a terra enfim semeia
Dos que a tanto desejam, sendo alheia.

31
"Já pelo espesso ar os estridentes
Farpões, setas e vários tiros voam;
Debaixo dos pés duros dos ardentes
Cavalos treme a terra, os vales soam;
Espedaçam-se as lanças; e as frequentes
Quedas coas duras armas, tudo atroam;
Recrescem os amigos sobre a pouca
Gente do fero Nuno, que os apouca.

32
"Eis ali seus irmãos contra ele vão,
(Caso feio e cruel!) mas não se espanta,
Que menos é querer matar o irmão,
Quem contra o Rei e a Pátria se alevanta:
Destes arrenegados muitos são
No primeiro esquadrão, que se adianta
Contra irmãos e parentes (caso estranho!)
Quais nas guerras civis de Júlio e Magno.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Maratona Lusíadas1 Fri, 08 May 2009 09:05:37 +0000
Canto IV, 33/44 http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-iv-3344.html http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-iv-3344.html




Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões.
Canto IV, 33/44 por Guilherme D'Oliveira Martins.

Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009.


Canto IV

33
"Ó tu, Sertório, ó nobre Coriolano,
Catilina, e vós outros dos antigos,
Que contra vossas pátrias, com profano
Coração, vos fizestes inimigos,
Se lá no reino escuro de Sumano
Receberdes gravíssimos castigos,
Dizei-lhe que também dos Portugueses
Alguns tredores houve algumas vezes.

34
"Rompem-se aqui dos nossos os primeiros,
Tantos dos inimigos a eles vão!
Está ali Nuno, qual pelos outeiros
De Ceita está o fortíssimo leão,
Que cercado se vê dos cavaleiros
Que os campos vão correr de Tetuão:
Perseguem-no com as lanças, e ele iroso,
Torvado um pouco está, mas não medroso.

35
"Com torva vista os vê, mas a natura
Ferina e a ira não lhe compadecem
Que as costas dê, mas antes na espessura
Das lanças se arremessa, que recrescem.
Tal está o cavaleiro, que a verdura
Tinge co'o sangue alheio; ali perecem
Alguns dos seus, que o ânimo valente
Perde a virtude contra tanta gente.

36
"Sentiu Joane a afronta que passava
Nuno, que, como sábio capitão,
Tudo corria e via, e a todos dava,
Com presença e palavras, coração.
Qual parida leoa, fera e brava,
Que os filhos que no ninho sós estão,
Sentiu que, enquanto pasto lhe buscara,
O pastor de Massília lhos furtara;

37
"Corre raivosa, e freme, e com bramidos
Os montes Sete Irmãos atroa e abala:
Tal Joane, com outros escolhidos
Dos seus, correndo acode à primeira ala:
-"Ó fortes companheiros, ó subidos
Cavaleiros, a quem nenhum se iguala,
Defendei vossas terras, que a esperança
Da liberdade está na vossa lança.

38
-"Vedes-me aqui, Rei vosso, e companheiro,
Que entre as lanças, e setas, e os arneses
Dos inimigos corro e vou primeiro:
Pelejai, verdadeiros Portugueses!"-
Isto disse o magnânimo guerreiro,
E, sopesando a lança quatro vezes,
Com força tira; e, deste único tiro,
Muitos lançaram o último suspiro.

39
"Porque eis os seus acesos novamente
Duma nobre vergonha e honroso fogo,
Sobre qual mais com ânimo valente
Perigos vencerá do Márcio jogo,
Porfiam: tinge o ferro o sangue ardente;
Rompem malhas primeiro, e peitos logo:
Assim recebem junto e dão feridas,
Como a quem já não dói perder as vidas.

40
"A muitos mandam ver o Estígio lago,
Em cujo corpo a morte e o ferro entrava:
O Mestre morre ali de Santiago,
Que fortíssimamente pelejava;
Morre também, fazendo grande estrago,
Outro Mestre cruel de Calatrava;
Os Pereiras também arrenegados
Morrem, arrenegando o Céu e os fados.

41
"Muitos também do vulgo vil sem nome
Vão, e também dos nobres, ao profundo,
Onde o trifauce Cão perpétua fome
Tem das almas que passam deste mundo.
E porque mais aqui se amanse e dome
A soberba do amigo furibundo,
A sublime bandeira Castelhana
Foi derribada aos pés da Lusitana.

42
"Aqui a fera batalha se encruece
Com mortes, gritos, sangue e cutiladas;
A multidão da gente que perece
Tem as flores da própria cor mudadas;
Já as costas dão e as vidas; já falece
O furor e sobejam as lançadas;
Já de Castela o Rei desbaratado
Se vê, e de seu propósito mudado.

43
"O campo vai deixando ao vencedor,
Contente de lhe não deixar a vida.
Seguem-no os que ficaram, e o temor
Lhe dá, não pés, mas asas à fugida.
Encobrem no profundo peito a dor
Da morte, da fazenda despendida,
Da mágoa, da desonra, e triste nojo
De ver outrem triunfar de seu despojo.

44
"Alguns vão maldizendo e blasfemando
Do primeiro que guerra fez no mundo;
Outros a sede dura vão culpando
Do peito cobiçoso e sitibundo,
Que, por tomar o alheio, o miserando
Povo aventura às penas do profundo,
Deixando tantas mães, tantas esposas
Sem filhos, sem maridos, desditosas.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Maratona Lusíadas1 Fri, 08 May 2009 09:05:24 +0000
Canto IV, 84/95 http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-iv-8495.html http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-iv-8495.html




Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões.
Canto IV, 84/95 por Simonetta Luz Afonso.

Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009.


Canto IV

84
"E já no porto da ínclita Ulisseia
C'um alvoroço nobre, e é um desejo,
(Onde o licor mistura e branca areia
Co'o salgado Neptuno o doce Tejo)
As naus prestes estão; e não refreia
Temor nenhum o juvenil despejo,
Porque a gente marítima e a de Marte
Estão para seguir-me a toda parte.

85
"Pelas praias vestidos os soldados
De várias cores vêm e várias artes,
E não menos de esforço aparelhados
Para buscar do inundo novas partes.
Nas fortes naus os ventos sossegados
Ondeam os aéreos estandartes;
Elas prometem, vendo os mares largos,
De ser no Olimpo estrelas como a de Argos.

86
"Depois de aparelhados desta sorte
De quanto tal viagem pede e manda,
Aparelhamos a alma para a morte,
Que sempre aos nautas ante os olhos anda.
Para o sumo Poder que a etérea corte
Sustenta só coa vista veneranda,
Imploramos favor que nos guiasse,
E que nossos começos aspirasse.

87
"Partimo-nos assim do santo templo
Que nas praias do mar está assentado,
Que o nome tem da terra, para exemplo,
Donde Deus foi em carne ao mundo dado.
Certifico-te, ó Rei, que se contemplo
Como fui destas praias apartado,
Cheio dentro de dúvida e receio,
Que apenas nos meus olhos ponho o freio.

88
"A gente da cidade aquele dia,
(Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente) concorria,
Saudosos na vista e descontentes.
E nós coa virtuosa companhia
De mil Religiosos diligentes,
Em procissão solene a Deus orando,
Para os batéis viemos caminhando.

89
"Em tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam;
As mulheres c'um choro piedoso,
Os homens com suspiros que arrancavam;
Mães, esposas, irmãs, que o temeroso
Amor mais desconfia, acrescentavam
A desesperarão, e frio medo
De já nos não tornar a ver tão cedo.

90
"Qual vai dizendo: -" Ó filho, a quem eu tinha
Só para refrigério, e doce amparo
Desta cansada já velhice minha,
Que em choro acabará, penoso e amaro,
Por que me deixas, mísera e mesquinha?
Por que de mim te vás, ó filho caro,
A fazer o funéreo enterramento,
Onde sejas de peixes mantimento!" -

91
"Qual em cabelo: -"Ó doce e amado esposo,
Sem quem não quis Amor que viver possa,
Por que is aventurar ao mar iroso
Essa vida que é minha, e não é vossa?
Como por um caminho duvidoso
Vos esquece a afeição tão doce nossa?
Nosso amor, nosso vão contentamento
Quereis que com as velas leve o vento?" -

92
"Nestas e outras palavras que diziam
De amor e de piedosa humanidade,
Os velhos e os meninos os seguiam,
Em quem menos esforço põe a idade.
Os montes de mais perto respondiam,
Quase movidos de alta piedade;
A branca areia as lágrimas banhavam,
Que em multidão com elas se igualavam.

93
"Nós outros sem a vista alevantarmos
Nem a mãe, nem a esposa, neste estado,
Por nos não magoarmos, ou mudarmos
Do propósito firme começado,
Determinei de assim nos embarcarmos
Sem o despedimento costumado,
Que, posto que é de amor usança boa,
A quem se aparta, ou fica, mais magoa.

94
"Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:

95
- "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Maratona Lusíadas1 Fri, 08 May 2009 09:05:13 +0000
Canto V, 1/15 http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-v-115.html http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-v-115.html

Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões.
Canto V, 1/15 por Margarida Pinto Correia.

Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009.


Canto V

1
"Estas sentenças tais o velho honrado
Vociferando estava, quando abrimos
As asas ao sereno e sossegado
Vento, e do porto amado nos partimos.
E, como é já no mar costume usado,
A vela desfraldando, o céu ferimos,
Dizendo: "Boa viagem", logo o vento
Nos troncos fez o usado movimento.

2
"Entrava neste tempo o eterno lume
No animal Nemeio truculento,
E o mundo, que com tempo se consume,
Na sexta idade andava enfermo e lento:
Nela vê, como tinha por costume,
Cursos do sol quatorze vezes cento,
Com mais noventa e sete, em que corria,
Quando no mar a armada se estendia.

3
"Já a vista pouco e pouco se desterra
Daqueles pátrios montes que ficavam;
Ficava o caro Tejo, e a fresca serra
De Sintra, e nela os olhos se alongavam.
Ficava-nos também na amada terra
O coração, que as mágoas lá deixavam;
E já depois que toda se escondeu,
Não vimos mais enfim que mar e céu.

4
"Assim fomos abrindo aqueles mares,
Que geração alguma não abriu,
As novas ilhas vendo e os novos ares,
Que o generoso Henrique descobriu;
De Mauritânia os montes e lugares,
Terra que Anteu num tempo possuiu,
Deixando à mão esquerda; que à direita
Não há certeza doutra, mas suspeita.

5
"Passamos a grande Ilha da Madeira,
Que do muito arvoredo assim se chama,
Das que nós povoamos, a primeira,
Mais célebre por nome que por fama:
Mas nem por ser do mundo a derradeira
Se lhe aventajam quantas Vénus ama,
Antes, sendo esta sua, se esquecera
De Cipro, Gnido, Pafos e Citera.

6
"Deixamos de Massília a estéril costa,
Onde seu gado os Azenegues pastam,
Gente que as frescas águas nunca gosta
Nem as ervas do campo bem lhe abastam:
A terra a nenhum fruto enfim disposta,
Onde as aves no ventre o ferro gastam,
Padecendo de tudo extrema inópia,
Que aparta a Barbaria de Etiópia.

7
"Passamos o limite aonde chega
O Sol, que para o Norte os carros guia,
Onde jazem os povos a quem nega
O filho de Climene a cor do dia.
Aqui gentes estranhas lava e rega
Do negro Sanagá a corrente fria,
Onde o Cabo Arsinário o nome perde,
Chamando-se dos nossos Cabo Verde.

8
"Passadas tendo já as Canárias ilhas,
Que tiveram por nome Fortunadas,
Entramos, navegando, pelas filhas
Do velho Hespério, Hespérides chamadas;
Terras por onde novas maravilhas
Andaram vendo já nossas armadas.
Ali tomamos porto com bom vento,
Por tomarmos da terra mantimento.

9
"Aquela ilha apartamos, que tomou
O nome do guerreiro Santiago,
Santo que os Espanhóis tanto ajudou
A fazerem nos Mouros bravo estrago.
Daqui, tanto que Bóreas nos ventou,
Tornamos a cortar o imenso lago
Do salgado Oceano, e assim deixamos
A terra onde o refresco doce achamos.

10
"Por aqui rodeando a larga parte
De África, que ficava ao Oriente,
A província Jalofo, que reparte
Por diversas nações a negra gente;
A mui grande Mandinga, por cuja arte
Logramos o metal rico e luzente,
Que do curvo Gambeia as águas bebe,
As quais o largo Atlântico recebe.

11
"As Dórcadas passamos, povoadas
Das Irmãs, que outro tempo ali viviam,
Que de vista total sendo privadas,
Todas três dum só olho se serviam.
Tu só, tu, cujas tranças encrespadas
Netuno lá nas águas acendiam,
Tornada já de todas a mais feia,
De bívoras encheste a ardente areia.

12
"Sempre enfim para o Austro a aguda proa
No grandíssimo gólfão nos metemos,
Deixando a serra aspérrima Leoa,
Co'o cabo a quem das Palmas nome demos.
O grande rio, onde batendo soa
O mar nas praias notas que ali temos,
Ficou, com a Ilha ilustre que tomou
O nome dum que o lado a Deus tocou.

13
"Ali o mui grande reino está de Congo,
Por nós já convertido à fé de Cristo,
Por onde o Zaire passa, claro e longo,
Rio pelos antigos nunca visto.
Por este largo mar enfim me alongo
Do conhecido pólo de Calisto,
Tendo o término ardente já passado,
Onde o meio do mundo é limitado.

14
"Já descoberto tínhamos diante,
Lá no novo Hemisfério, nova estrela,
Não vista de outra gente, que ignorante
Alguns tempos esteve incerta dela.
Vimos a parte menos rutilante,
E, por falta de estrelas, menos bela,
Do Pólo fixo, onde ainda se não sabe
Que outra terra comece, ou mar acabe.

15
"Assim passando aquelas regiões
Por onde duas vezes passa Apolo,
Dois invernos fazendo e dois verões,
Enquanto corre dum ao outro Pólo,
Por calmas, por tormentas e opressões,
Que sempre faz no mar o irado Eolo,
Vimos as Ursas, apesar de Juno,
Banharem-se nas águas de Neptuno.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Maratona Lusíadas1 Fri, 08 May 2009 09:05:00 +0000
Canto V, 16/25 http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-v-1625.html http://cvc.instituto-camoes.pt/maratona-lusiadas1/canto-v-1625.html




Leitura de Os Lusíadas e poemas de Camões.
Canto V, 16/25 por Teresa Lago.

Centro Cultural de Belém | Sala Fernando Pessoa Comemoração do Dia da Poesia, 22 de Março de 2009.


Canto V

16
"Contar-te longamente as perigosas
Coisas do mar, que os homens não entendem:
Súbitas trovoadas temerosas,
Relâmpados que o ar em fogo acendem,
Negros chuveiros, noites tenebrosas,
Bramidos de trovões que o mundo fendem,
Não menos é trabalho, que grande erro,
Ainda que tivesse a voz de ferro.

17
"Os casos vi que os rudos marinheiros,
Que têm por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as cousas só pela aparência,
E que os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho e por ciência,
Vêem do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos, ou mal entendidos.

18
"Vi, claramente visto, o lume vivo
Que a marítima gente tem por santo
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura e triste pranto.
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e coisa certo de alto espanto,
Ver as nuvens do mar com largo cano
Sorver as altas águas do Oceano.

19
"Eu o vi certamente (e não presumo
Que a vista me enganava) levantar-se
No ar um vaporzinho e subtil fumo,
E, do vento trazido, rodear-se:
Daqui levado um cano ao pólo sumo
Se via, tão delgado, que enxergar-se
Dos olhos facilmente não podia:
Da matéria das nuvens parecia.

20
"Ia-se pouco e pouco acrescentando
E mais que um largo masto se engrossava;
Aqui se estreita, aqui se alarga, quando
Os golpes grandes de água em si chupava;
Estava-se coas ondas ondeando:
Em cima dele uma nuvem se espessava,
Fazendo-se maior, mais carregada
Co'o cargo grande d'água em si tomada.

21
"Qual roxa sanguessuga se veria
Nos beiços da alimária (que imprudente,
Bebendo a recolheu na fonte fria)
Fartar co'o sangue alheio a sede ardente;
Chupando mais e mais se engrossa e cria,
Ali se enche e se alarga grandemente:
Tal a grande coluna, enchendo, aumenta
A si, e a nuvem negra que sustenta.

22
"Mas depois que de todo se fartou,
O pó que tem no mar a si recolhe,
E pelo céu chovendo enfim voou,
Porque coa água a jacente água molhe:
As ondas torna as ondas que tomou,
Mas o sabor do sal lhe tira e tolhe.
Vejam agora os sábios na escritura,
Que segredos são estes de Natura.

23
"Se os antigos filósofos, que andaram
Tantas terras, por ver segredos delas,
As maravilhas que eu passei, passaram,
A tão diversos ventos dando as velas,
Que grandes escrituras que deixaram!
Que influição de signos e de estrelas!
Que estranhezas, que grandes qualidades!
E tudo sem mentir, puras verdades.

24
"Mas já o Planeta que no céu primeiro
Habita, cinco vezes apressada,
Agora meio rosto, agora inteiro
Mostrara, enquanto o mar cortava a armada,
Quando da etérea gávea um marinheiro,
Pronto coa vista, "Terra! Terra!" brada.
Salta no bordo alvoroçada a gente
Co'os olhos no horizonte do Oriente.

25
"A maneira de nuvens se começam
A descobrir os montes que enxergamos;
As âncoras pesadas se adereçam;
As velas, já chegados, amainamos.
E para que mais certas se conheçam
As partes tão remotas onde estamos,.
Pelo novo instrumento do Astrolábio,
Invenção de subtil juízo e sábio,

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Maratona Lusíadas1 Fri, 08 May 2009 09:04:38 +0000