Arte de navegar, roteirística
e pilotagem

Declinação Magnética

A bússola, ou agulha de marear, começou a ser utilizada, na Europa, no século XIII, para orientação dos navios no mar. O seu princípio de funcionamento baseia‑se no facto de a Terra ter propriedades magnéticas, comportando‑se como um gigantesco íman. A extremidade, pólo, de uma barra metálica magnetizada é atraída para o pólo magnético terrestre, apontando essa barra sempre na mesma direcção, podendo assim ser usada para orientação.

Pelo facto de esse pólo magnético terrestre não coincidir com o pólo geográfico, a agulha não apontará exactamente na direcção norte-sul. Ao ângulo entre as direcções norte‑sul verdadeira e magnética chama‑se declinação. Esta varia no espaço e também no tempo, variação secular.

Durante os primeiros anos de utilização da agulha de marear estes fenómenos não eram conhecidos. No entanto, sabemos que no século XV já se sabia da existência do mesmo. Alguns autores atribuem a sua descoberta a Cristóvão Colombo, embora existam indícios que o mesmo já era conhecido anteriormente por construtores de bússolas flamengos e alemães. Alguns pilotos portugueses insurgem‑se contra o facto de aqueles construtores colocarem os ferros com um certo desvio debaixo da rosa‑dos‑ventos, para que esta apontasse para o Norte geográfico, no local em que a agulha era construída. Esta correcção só servia para aquele local, sinal de que certamente eles não teriam a noção da variação espacial da declinação.

Nos primeiros anos do século XVI, em 1514, aparece um texto da autoria do piloto João de Lisboa conhecido como Tratado da Agulha de Marear. Deste texto interessa‑nos a teoria que defende a existência de uma relação entre a variação daquela declinação e a longitude dos lugares. O estabelecimento desta teoria só poderia ocorrer se já existisse um conhecimento profundo da variação da declinação para os locais navegados pelos Portugueses.

O autor defendia a existência de uma relação directa entre a variação da declinação magnética e a longitude. Para tal definiu o “meridiano vero”, que era uma linha agónica, ou seja uma linha em que a declinação era nula. Ele próprio se contradiz na definição desta linha. De acordo com a sua regra, tendo em conta o valor da declinação em Lisboa, aquele meridiano passaria a 62,5 léguas a Oeste de Lisboa. No entanto, ele afirma que o mesmo passava por algumas ilhas do arquipélago dos Açores, situadas a uma distância cerca de quatro vezes superior à que obteve pela regra.

Na sua viagem de 1538, D. João de Castro demonstrou a falsidade desta lei, ao verificar que linhas de igual declinação não se encontravam sobre um mesmo meridiano. Apesar disso, muitos pilotos e teóricos da Arte de Navegar continuaram a defender este processo. Isto continuou a acontecer porque na maior tirada feita no sentido Oeste‑Este, a travessia do Atlântico Sul, a variação da declinação ser regular, sendo os pontos obtidos por este processo mais rigorosos que os fornecidos pela estima. Além disso, a declinação servia como uma “conhecença” para alertar o navegador para a proximidade de determinado perigo.

Finalmente, deve também ser aqui referida uma outra contribuição de D. João de Castro para o conhecimento dos fenómenos magnéticos a bordo. Ele notou que a presença de massas metálicas, por exemplo canhões, nas proximidades das agulhas, alterava o comportamento destas. Embora em navios de madeira este problema não fosse grave, pois bastava afastar as bússolas dessas massas metálicas, o mesmo veio a revelar‑se muito importante nos navios construídos em metal.

António Costa Canas


Bibliografia
ALBUQUERQUE, Luís de, “Bússola”, in Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses. Vol I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, p. 147
IDEM, “Contribuição das Navegações do sec. XVI para o conhecimento do magnetismo terrestre”, Estudos de História da Ciência Náutica. Homenagem do Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical. Centro de Estudos de Cartografia Antiga, 1994, pp. 247‑267.
IDEM, “Declinação magnética”, in Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses. Vol I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, p. 341.

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