Vimos que para a latitude existe um ponto fixo no espaço, a Estrela Polar, que permite a determinação dessa coordenada sem grande dificuldade. No caso da longitude a situação é diferente, sendo a determinação dessa coordenada bastante difícil. A diferença de longitude não é mais que uma diferença de tempo. Assim basta conhecer a diferença em tempo entre a ocorrência de um dado fenómeno astronómico em dois locais diferentes para conhecer a diferença de longitude entre eles. O problema reside na dificuldade que existe em determinar com rigor essas horas.
Esta questão da determinação da longitude foi especialmente importante em dois campos: a condução da navegação e a definição de limites territoriais. Esta última matéria conheceu um acentuado desenvolvimento com a assinatura do Tratado de Tordesilhas. O texto do acordo previa um prazo de dez meses para delimitação dos referidos limites. Por razões de ordem prática tal nunca foi realizado.
Entretanto a questão inicial, que era a definição da fronteira no Atlântico, estendeu‑se ao outro lado do mundo, com a questão das Molucas, suscitada pela viagem de Fernão de Magalhães. Recordemos que o objectivo deste navegador era demonstrar que aquele arquipélago, rico em especiarias se encontrava no hemisfério espanhol. Após aquela viagem realizou‑se, em 1524, uma reunião que ficou conhecida por Junta de Badajoz‑Elvas. Nesta foram apresentadas várias soluções, que na prática eram semelhantes às propostas para resolução do problema em termos de navegação.
Quais foram as soluções tentadas para obter a longitude e assim ser conhecida com rigor a posição do navio no mar? Uma vez que se notava uma certa urgência em resolver esta questão, essencial para a condução segura dos navios, surgiram diversos prémios destinados a incentivar a busca de soluções fiáveis para o mesmo. O mais antigo destes prémios foi instituído por Filipe III de Espanha, em 1598, e a ele concorreram diversas personalidades, entre as quais Galileu, não tendo sido apresentadas propostas que conseguissem resolver o problema. A oferta de prémios para quem conseguisse encontrar essa solução foi seguida por diversos estados: França, Veneza, Holanda e Inglaterra. Apenas este último foi atribuído, nos finais do século XVIII, a John Harrisson, inventor do cronómetro marítimo que solucionou o problema. Foram muitos os candidatos a estes prémios, muitos deles com soluções extravagantes. Nas próximas linhas falaremos daquelas que foram tentadas experimentadas com algum sucesso.
Pelo método de rumo e estimaA posição de um navio pode ser sempre determinada recorrendo a este processo. A utilização de outros processos, observação de marcas em terra ou de astros, serva para eliminar os erros associados à estima da posição. Uma vez que os processos de determinação da longitude nunca mereceram grande confiança, até ao século XVIII, muitos pilotos confiaram apenas neste método para conhecer esta coordenada.
Pela declinação magnéticaEste processo aparece pela primeira vez no Tratado de Marear de João de Lisboa, datado de 1514. Baseava‑se no pressuposto que a variação da declinação magnética era proporcional à longitude do lugar. Apesar de D. João de Castro, na sua viagem para a Índia em 1538, ter efectuado diversas experiências demonstrando que este procedimento era errado, o mesmo continuou a ser seguido, existindo uma referência do século XIX à utilização do mesmo. Porque razão se continuou, durante muito tempo, a usar um método que se provou estar errado? Em primeiro lugar, porque embora essa relação directa entre declinação magnética e longitude não existisse, a utilização da declinação como uma conhecença permitia ter uma noção da proximidade a determinados perigos, razão pela qual era fundamental conhecer o seu valor ao longo das rotas mais praticadas. Como consequência deste conhecimento evoluiu-se para uma outra proposta que consistia na determinação da posição pelo cruzamento de paralelos de latitude com linhas de igual declinação. Foi desenvolvida em Portugal, no início do século XVII, pelo padre jesuíta Cristóvão Bruno, tendo sido também apresentada pelo inglês Edmund Halley, nos primeiros anos do século seguinte.
Pelos eclipses da LuaDesde a Antiguidade que se sabia que a diferença de longitude entre dois lugares poderia ser calculada se fosse determinada a hora de início do dito eclipse em cada um desses lugares. A diferença entre essas horas, para cada um dos locais, seria convertida em diferença de longitude. Supõe‑se que Cristóvão Colombo teria utilizado este processo, em 1494, obtendo valores bastante errados. Também D. João de Castro menciona a sua utilização, sem no entanto indicar os resultados obtidos, talvez porque não confiou nos mesmos. A principal justificação para os maus resultados obtidos estará certamente relacionada com o pouco rigor conseguido, na época, em termos de previsão de ocorrência do fenómeno. Por outro lado, a sua utilidade era pouca pelo facto de ser um fenómeno cuja frequência era incompatível com as necessidades da navegação.
Pelas distâncias lunaresEm 1514, o alemão João Werner propôs a utilização da medição da distância angular entre a Lua e outros corpos celestes para obtenção da longitude. Esta proposta baseava‑se no facto de a Lua apresentar um movimento bastante diferente do dos outros astros, uma vez que é o único corpo celeste que descreve uma órbita em torno da Terra. Na viagem de Fernão de Magalhães teriam sido obtidas algumas longitudes recorrendo a este processo.
Tal como acontecia com os eclipses, também para este método a principal limitação era o pouco rigor das previsões dos movimentos dos astros. Além disso na época não existiam instrumentos que permitissem a leituras rigorosas dos ângulos. Estes dois tipos de problemas foram ultrapassados no século XVIII, tendo este processo sido desenvolvido, em simultâneo com o uso do cronómetro, sendo os resultados obtidos, por um e outro método bastante semelhantes, embora as distâncias lunares implicassem cálculos muito mais complexos.
Pelos satélites de JúpiterEm 1610 Galileu observou pela primeira vez estes satélites. Verificou que os mesmos eram ocultados pelo planeta com uma frequência bastante elevada, podendo este facto ser usado para obtenção da diferença de longitude, tal como acontecia com os eclipses da Lua. A utilização deste processo no mar era muito complicada pois a observação dos satélites apenas era possível recorrendo a um telescópio, sendo impraticável o seu uso num navio sujeito a balanço. Por outro lado, as tabelas elaboradas por Galileu, com as posições relativas do planeta e dos satélites também eram pouco rigorosas. Esta última limitação foi ultrapassada pelo italiano Cassini, que desenvolveu tabelas muito mais rigorosas. Apesar do processo continuar a ser impraticável no mar foi bastante útil para a determinação de longitudes em terra, permitindo deste modo uma cartografia mais rigorosa dos locais, antes do advento do cronómetro.
Usando um relógioComo se disse no início deste texto, a diferença de longitude entre dois locais pode ser estabelecida se medirmos a hora local em que determinado fenómeno ocorre e compararmos essa hora com a hora em que o mesmo ocorre no outro local. Para conhecermos esta última precisamos de um relógio que permita conservar a bordo a hora de um determinado local de referência. Este processo foi proposto por Fernando Colombo, em 1524, na Junta de Badajoz‑Elvas. Na época não existiam ainda condições técnicas que permitissem a construção de um relógio capaz de resolver o problema. Outros estudiosos que se dedicaram a apresentar propostas para solucionar o problema também sugeriram o uso de relógios, como foi o caso de Cristóvão Bruno. No entanto, o problema apenas foi resolvido por John Harrisson que dedicou a sua vida ao fabrico de relógios para uso no mar, tendo em 1761 sido testado o seu cronómetro que ficou conhecido como H4. Este apresentou uma precisão bastante superior à que era exigida pelo Board of Longitude, tendo Harrisson recebido o prémio de 20 000 libras. Estava finalmente resolvido o problema de determinar a longitude de um navio com o rigor necessário para a prática da navegação.
António Costa Canas
Bibliografia
ALBUQUERQUE, Luís de, Longitude, Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses. Vol II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 618‑621.
The quest for longitude: the proceedings of the Longitude Symposium, Cambridge‑Massachussetts, Collection of Historical Scientific Instruments, 1993.
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