Instrumentos de navegação
Os instrumentos utilizados em navegação foram surgindo com a necessidade de determinar, no mar, a posição do navio. E quase todos foram adaptados, de instrumentos já existentes e utilizados com outros fins, para a nova função. Um ponto comum a todos eles é o facto de pura e simplesmente medirem ângulos, entre um objecto e uma referência, ou entre dois objectos. A grande diferença entre os diferentes instrumentos aqui apresentados quadrante, astrolábio e balestilha é o rigor, a forma de utilização e a referência para a medição dos ângulos. Estes mesmos instrumentos foram os percursores de outros mais rigorosos, utilizando a dupla reflexão, como o octante e o sextante, que também servem para medir ângulos.
A utilização destes instrumentos para a determinação da latitude em que se navegava, exigia a existência de tabelas onde se pudesse consultar o valor da declinação, tanto do Sol como das estrelas mais utilizadas. Só a estrela Polar, por se encontrar próxima do pólo Norte terrestre, afastada apenas cerca de 3º,5 com uma declinação de 86º,5 não necessitava das tabelas referidas, mas, tão somente, de ter o piloto conhecimento do regimento da estrela Polar.
Quadrante Este instrumento já se encontrava referenciado e descrito em várias obras medievais, nomeadamente nos Libros del Saber de Astronomia, do século XIII. Na sua forma primitiva era utilizado, certamente, para medir alturas e distâncias. Adaptado à náutica, foi muito provavelmente o primeiro instrumento de navegação astronómica que os pilotos portugueses utilizaram. Aliás, é Diogo Gomes, navegador do infante D. Henrique, referindo-se a uma viagem por si levada a cabo, cerca de 1462, que afirma ter «observado com o quadrante a altura do pólo ártico». Por seu turno, António de Naiera, na sua Navigación Especulativa y Pratica, publicada em Lisboa, em 1628, faz a seguinte afirmação relativa a este instrumento: «O quadrante náutico, semelhante ao astrolábio, que assim com ele se toma com facilidade e certeza a altura do Sol ao meio-dia, com a mesma facilidade e certeza se tomará com o quadrante a altura das estrelas sobre o horizonte, quando de noite chegam aos seus meridianos».
O quadrante era construído em madeira, tendo a forma de um quarto de círculo daí a origem do nome. Numa das arestas rectilíneas eram colocadas as pínulas pequenas peças também em madeira com orifícios, por onde se «enfiava o astro». No vértice do quadrante era preso, num orifício, um fio-de-prumo de comprimento pouco maior do que o raio do instrumento. Na extremidade livre, encontrava-se um pequeno peso em metal. A aresta curvilínea era graduada com uma escala de 0º a 90º. Para medir a altura do Sol, por exemplo, o piloto tinha que fazer coincidir a luz deste astro, que passava pelo orifício da pínula superior, com o orifício da pínula inferior. Isso só era conseguido colocando o instrumento no meridiano do astro e com uma inclinação muito precisa. Nesse instante, o fio-de-prumo indicava a altura do astro ângulo entre o horizonte e o astro ou a distância zenital ângulo entre o astro e o zénite do observador, dependendo apenas da forma como o instrumento estivesse graduado de 0º a 90º ou de 90º a 0º, da aresta lisa para a aresta das pínulas.
O facto de estes instrumentos serem de madeira é, possivelmente, uma das razões pelas quais não chegou até aos nossos dias nenhum quadrante da época dos descobrimentos.
Astrolábio Náutico Este instrumento resultou, muito provavelmente, da simplificação do astrolábio planisférico, que era utilizado pelos cosmógrafos para determinar a posição das estrelas no céu, a hora local a partir da altura do Sol, ou resolver problemas geométricos. Como algumas destas funções não tinham grande interesse para a navegação, o astrolábio náutico ficou apenas com a faculdade de medir a altura dos astros, pois era esta a necessidade de utilização a bordo dos navios, por parte dos pilotos. Se inicialmente era construído em madeira, ou em chapa de metal, cedo se concluiu que tal não servia para, com rigor, ser utilizado a bordo. Por isso passou a ser construído em bronze. Tal facto conferiu-lhe a robustez e o peso adequados para poder ser utilizado no mar e minimizar os efeitos do balanço do navio. Ainda assim, construído com um corpo maciço, tinha a desvantagem de oferecer demasiada resistência ao vento e dificultar as observações. Para obviar este problema, o seu corpo foi aberto, ficando apenas com os dois diâmetros ortogonais. No seu centro gira uma mediclina onde se encontram duas pínulas, com orifícios, por onde, a exemplo do quadrante, se «enfia o astro». Normalmente nos dois quadrantes superiores do astrolábio encontra-se gravada uma escala, de 0º a 90º tendo esta sido inicialmente de alturas. Posteriormente passou a ser de referência zenital. Esta última implicava fazer menos um cálculo na determinação da latitude, pela passagem meridiana do Sol.
Para medir uma altura o observador segura o astrolábio pelo anel de suspensão que minimiza o efeito do balanço do navio no instrumento e faz coincidir a luz do Sol, que passa pelo orifício da pínula superior, com o orifício da pínula inferior. Se o astrolábio estiver bem construído, alinhado, e com orifícios de dimensões correctas, é ainda possível ver a luz do Sol, depois de atravessar os dois orifícios, incidir no convés.
A utilização deste instrumento pelos pilotos portugueses deve remontar ao último quartel do século XV. Prova disso é seguinte passagem de João de Barros, na descrição da primeira viagem de Vasco da Gama: «... Santa Helena... onde saiu em terra por fazer aguada e assi tomar a altura do sol. Porque, como do uso do astrolábio pera aquele mister da navegação, havia pouco tempo que os mareantes deste reino se aproveitavam,...». Muitos astrolábios náuticos chegaram até aos nossos dias, sendo a maior parte de origem portuguesa. A maior colecção destes instrumentos encontra-se reunida no Museu de Marinha em Lisboa.
Balestilha As primeiras descrições da utilização da balestilha surgem apenas na documentação do século XVI. Mais concretamente no Livro de Marinharia, de João de Lisboa (c.1514). Em 1529, o navio de pesca de João Gomes foi assaltado ao largo da costa da Guiné, por corsários franceses. Entre as coisas levadas pelos assaltantes encontravam-se «agulha e astrolábio e balestilha e regimento para a arte de navegar».
Alguns historiadores defendem a sua origem na modificação do báculo de Jacob, instrumento medieval utilizado em agrimensura. Outros, defendem ser de concepção portuguesa.
Este instrumento é extremamente simples e é constituído por uma vara de madeira de secção quadrada quatro escalas denominada virote, com cerca de 80 centímetros de comprimento. Ao longo desta corre uma pequena peça de madeira de dimensões diferentes para cada uma das escalas chamada soalha. Em cada uma das arestas do virote encontra-se uma escala de acordo com as dimensões da soalha a utilizar. Numa observação nocturna o observador olha pelo orifício, na extremidade do virote, de forma a ver a estrela tangente à aresta superior da soalha e o horizonte tangente à aresta inferior. Porque o Sol não pode ser visado directamente, quando se pretendia medir a sua altura, a observação era feita de revés, isto é, de costas para o astro. Neste caso, a sombra da aresta superior deveria ser projectada no meio da soalha deslizante e, simultaneamente, fazer esta coincidir com a linha do horizonte. Se atentarmos bem no seu princípio de funcionamento facilmente se conclui que é idêntico ao do kamal, ou «balestilha do mouro», instrumento encontrado em uso nos pilotos árabes no Índico, e descoberto logo na primeira viagem de Vasco da Gama. A balestilha foi o primeiro instrumento de navegação astronómica a ter como referência o horizonte de mar.
A maior parte das balestilhas antigas que chegaram até nós são em marfim e foram construídas na Holanda, entre 1596 e 1805.
Com todos estes instrumentos tivemos oportunidade de fazer inúmeras observações, a bordo do Navio-Escola «Sagres», comparando-as com as leituras do sextante (rigor de 1/10 de minuto). Da larga experiência recolhida verificámos que a balestilha é o instrumento mais preciso para observar o Sol de revés. O astrolábio raramente dá erros superiores a 15 minutos, durante o dia. À noite, devido ao seu peso e forma de utilizar para «enfiar as estrelas», o seu erro aumenta bastante. Neste caso o quadrante é de mais fácil utilização e produz, por isso, melhores resultados.
António Gonçalves
Bibliografia
BARROS, João de, Ásia - primeira década, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1945
COTTER, Charles H., History of the Navigators Sextant, Glasgow, Brown, Son & Ferguson, 1983
REIS, A. Estácio dos, Medir Estrelas, Lisboa, CTT Correios, 1997
OLIVEIRA, Fernado, A Arte da Guerra do Mar, Lisboa, Ministério da Marinha, s.d.
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