Arte de navegar, roteirística
e pilotagem

Vizinho, Mestre José

No reinado de D. João II a arte de navegar conheceu grandes desenvolvimentos, tendo para isso sido importante a contribuição da comunidade judaica residente no país. Tradicionalmente os judeus eram detentores de conhecimentos especializados nomeadamente ao nível da medicina e da astrologia, que na época andavam geralmente ligadas.

Entre os membros daquela comunidade que se distinguiram nestes campos do conhecimento encontra‑se Mestre José Vizinho. Médico da corte do Principe Perfeito estaria presente na altura em que aquele monarca faleceu.

Colofón e selo de José Vizinho na edição de Leiria, de 1496, do Almanach perpetuum. In Tesouros da Biblioteca Nacional, Lisboa, Edições Inapa, 1992, p. 89.

No campo da náutica são conhecidas diversas contribuições de Vizinho. O desenvolvimento da navegação astronómica implicava a existência de tabelas preparadas pelos astrólogos para uso dos navegantes. Nos finais do século XV, um dos mais famosos textos desse género é o Almanach Perpetuum da autoria do astrólogo Abraão Zacuto, publicado originalmente em hebraico. José Vizinho foi o responsável pela tradução deste texto para latim e para castelhano. O facto de terem sido impressos em 1496, pouco após a introdução da técnica de impressão em Portugal, ilustram bem a importância posta na divulgação da informação neles contida. Esta importância é ainda realçada pelo facto de os textos traduzidos por Vizinho serem os únicos textos não hebraicos saídos da oficina do impressor, também ele judeu, Abraão Samuel Dortas.

Nos primeiros tempos em que se começou a praticar navegação astronómica utilizava‑se o quadrante e observava‑se a estrela Polar. No entanto, conforme se caminhava para sul aquela estrela ia ficando cada vez mais baixa desaparecendo quando se cruzava o Equador. Uma alternativa seria utilizar o Sol, visível todos os dias, pelo menos nas águas praticadas pelos portugueses. O primeiro problema que a utilização do astro‑rei apresenta é a variação da sua declinação ao longo do ano. No entanto, a resolução deste problema encontrava‑se nas já mencionadas tabelas com dados astronómicos presentes por exemplo no Almanach Perpetuum.

A utilização do Sol para determinar a longitude implicava outras alterações à prática seguida anteriormente com a Polar. Em primeiro lugar, o instrumento usado, o quadrante, não era o mais adequado para observar o Sol, pois implica o seu uso olhar directamente para o astro, o que implicava o encandeamento do observador. A solução passaria pela adaptação de um instrumento usado há muito tempo pelos astrólogos, o astrolábio, que permitia medir a altura do astro sem ser necessário olhar directamente para ele.

Além disso, era necessário desenvolver regras apropriadas ao cálculo da latitude. Estas regras deveriam ser testadas e, ao mesmo tempo, convinha conhecer o valor daquela coordenada para a maior parte dos locais praticados pelos Portugueses na época.

Ainda no reinado D. João II Mestre José foi enviado para a região da Guiné, na companhia de outro médico‑astrólogo, Mestre Rodrigo, com o objectivo de adaptar o astrolábio para as necessidades dos navegantes e de estabelecer as regras necessárias ao uso do Sol para conhecimento da latitude. Esta missão foi fundamental para o conhecimento das condições de navegação naquela região e para o progresso das navegações para Sul, conforme nos relatam os cronistas da época.

Diversos historiadores consideraram que ele teria feito parte da famosa Junta de Matemáticos criada pelo Príncipe Perfeito. A dita junta, enquanto tal, nunca existiu, no entanto o facto de ele ser considerado um dos seus membros ilustra bem a excelência dos seus conhecimentos a nível da astrologia, especialmente no que se refere à sua utilização pelos homens do mar.

António Costa Canas


Bibliografia
ALBUQUERQUE, Luís de, “Introdução”, Abraão Zacuto, Almanach Perpetuum, [Lisboa], Imprensa Nacional Casa da Moeda, [1986], pp. 7‑59.
COSTA, João Paulo, “Vizinho, Mestre José”, Luís de Albuquerque [dir.], Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 1082‑1083.

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