Arte de navegar, roteirística
e pilotagem

Lisboa, João de

Foi um dos pilotos portugueses mais conhecidos do seu tempo. Quanto à data do seu nascimento ela situa-se, muito provavelmente, no início do segundo quartel do século XV, ou seja, ainda durante a vida do infante D. Henrique. Como foi prática durante muito tempo, João de Lisboa recebeu a sua instrução, como todos os outros pilotos coevos, a bordo dos navios. Apesar de diversos historiadores colocarem João de Lisboa nas armadas de Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral, ou mesmo a escrever o dito roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama, atribuído a Álvaro Velho, nenhuma destas acções se encontra minimamente fundamentada para que o possamos admitir, sem reservas. No entanto, sendo João de Lisboa um bom e experiente piloto à data da realização das viagens acima mencionadas, não podemos excluir a hipótese de nelas ter participado. Segundo Varnhagen, citando o Resumo histórico chronologico e politico do descobrimento da América, de Alexandre Gusmão, João de Lisboa terá participado na expedição à costa brasileira, em 1501, capitaneada por Gonçalo Coelho. A sua estadia em terras brasileiras é quase uma certeza pois em várias cartas do século XVI – Lázaro Luís e Fernão Vaz Dourado – se encontra referenciado, no norte do Brasil – na latitude dos 3º S – um rio com o seu nome. No ano de 1506 João de Lisboa terá partido para o Oriente, talvez pela segunda vez, na armada de Tristão da Cunha. Em data incerta – 1513? – foi nomeado piloto-mor de Portugal e participou, possivelmente como piloto-mor, na expedição contra Azamor, comandada pelo duque de Bragança, D. Jaime. Na História Genealógica da Casa Real, Caetano de Sousa afirma, relativamente à composição da frota desta expedição, o seguinte: «... que segundo João de Lisboa diz éramos quatrocentas e trinta velas...». Cerca de 1514 compôs em Lisboa o seu Tratado da agulha de marear, com base nas suas observações levadas a cabo em Cochim, nos Açores e noutros locais. Parte novamente para a Índia em 1518, na armada que transportou o governador Diogo Lopes de Sequeira. Nesse mesmo ano D. Manuel atribui-lhe a tença de 10.000 reais que D. João III confirmou, em 1522. Em Fevereiro de 1523 o rei concede-lhe uma outra tença, de 4.000 reais. Entre 1521 e 1525 fez, tudo indica, outras viagens à Índia. Com a morte de Gonçalo Álvares, foi nomeado piloto mor da navegação da Índia e mar oceano, por carta de 12 de Janeiro de 1525. Voltou a embarcar para o Oriente onde provavelmente faleceu, em 1526. Prova disso mesmo é o facto de o seu cargo ter sido entregue, em 15 de Novembro desse ano, a Fernão de Afonso.

O seu Tratado da agulha de marear foi muito divulgado na época e muitos dos pilotos possuíam cópia das suas indicações, relativamente aos problemas das agulhas de bordo e ao seu noroestear/nordestear. Prova do que afirmamos é a existência de cópias do citado documento, ainda que com pequenas alterações, que se encontram nos Livros de Marinharia atribuídos a André Pires e Bernardo Fernandes. Relativamente à declinação magnética o autor critica o facto de os antigos não colocarem os ferros das agulhas – os ímanes – alinhados com a flor-de-lis. Isto permitia-lhes que a agulha indicasse o norte verdadeiro – pollo do mumdo –  no local onde ela era construída, em vez de indicar o norte magnético. Mas quando daí se afastavam, começava a apresentar erros apreciáveis devido ao facto da declinação magnética variar de lugar para lugar. Constam também no seu texto as recomendações de João de Lisboa para se poder determinar, com rigor, a declinação magnética. É que não bastava azimutar a estrela Polar. Era necessário esperar que a estrela estivesse no meridiano do lugar. Isto, porque nessa altura, a estrela Polar estava afastada do Pólo celeste cerca de 3º40’, número que era arredondado para os 3º 30’. Hoje a estrela Polar está afastada do pólo cerca de 45’. Em função da declinação magnética, segundo João de Lisboa, o piloto podia determinar o meridiano em que se encontrava. Na realidade isto é falso pois não existe nenhuma relação entre a longitude e a declinação magnética. Mas nesta altura isso ainda não era conhecido. Foi D. João de Castro, no seu Roteiro de Lisboa a Goa, em 1538, que concluiu que este procedimento por parte dos pilotos era incorrecto.

Este tratado é o mais antigo texto conhecido acerca da forma de determinar a declinação magnética de um local. Para além disso descreve, de uma forma pormenorizada, os passos que devem ser dados na construção de uma agulha de marear. O códice tido como padrão, e que se encontra hoje nos ANTT, data de c.1550, mas no seu título é afirmado que este fora «achado», por João de Lisboa, em 1514. Nesta cópia, para além de se encontrar incompleta, o copista repetiu um capítulo com os números VII e IX, relativo à localização do meridiano vero.

António Gonçalves


Bibliografia
ALBUQUERQUE, Luís de, O «Tratado da agulha de Marear» de João de Lisboa; reconstituição do seu texto, seguida de uma versão francesa com anotações, Coimbra, IICT, 1982.
LISBOA, João de, Livro de Marinharia – Tratado da Agulha de Marear, copiado e coordenado por Jacinto Ignacio de Brito Rebello, Lisboa, Imprensa de Libanio da Silva, 1903
VITERBO, Sousa, Trabalhos Náuticos dos Portugueses – séculos XVI e XVII, Lisboa, INCM, s.d.

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