Arte de navegar, roteirística
e pilotagem

Regimentos

A Arte de Navegar conheceu um desenvolvimento acentuado durante os séculos XV e XVI. Para que tal fosse possível foram desenvolvidas determinadas regras, de carácter essencialmente prático, que indicavam procedimentos de observação ou de cálculo a ser seguidos nas diferentes situações que ocorriam no dia-a-dia.

A cada um desses conjuntos de regras dava-se geralmente o nome de “Regimento …”, seguido do assunto que era tratado no mesmo: “… das Léguas”, “… do Norte”, “… do Sol”, “… do Cruzeiro do Sul”. Na realidade, a expressão “Regimento” tinha um sentido mais amplo, aplicando-se também a outro tipo de instruções, como por exemplo as que eram dadas aos capitães-mor para conduzirem as suas armadas. No entanto, para este texto apenas estamos interessados nos de carácter náutico.

Regimento das Léguas—Os marinheiros do Mediterrâneo navegavam usando um método conhecido como de “rumo e estima”. Este consistia em seguir sobre a direcção dada pela bússola e estimar a distância percorrida para se navegar de um ponto para outro. Para tal as cartas eram cobertas com uma rede de rumos, que permitia conhecer a direcção que unia os diferentes locais representados na carta.

O processo funcionava bem desde que se seguisse segundo a direcção que unia os dois pontos. Muitas vezes, tal não era possível, pois os navios usavam o vento que nem sempre era favorável a uma viagem directa. Nessas circunstâncias usavam a chamada Toleta de Marteloio, que não era mais que um processo gráfico ou tabelar de resolver triângulos rectângulos. Em função do ângulo que o navio se afastava do rumo pretendido, e da distância navegada, sabia-se quanto o navio se tinha afastado lateralmente e qual tinha sido o seu avanço. O Regimento das Léguas baseia-se no mesmo princípio. Para um dado ângulo em relação à linha Norte-Sul e para uma variação de um grau em latitude, fornecia a distância percorrida, em léguas.

Regimento do Norte, ou da Polar—Conforme os Portugueses iam navegando para Sul verificaram que a Estrela Polar ficava cada vez mais próxima do horizonte. Ou seja começaram a associar a variação da altura da estrela com a distância percorrida no sentido Norte-Sul. Numa segunda fase passaram mesmo a usar a altura da estrela para conhecer a latitude Se a estrela estivesse exactamente sobre o Pólo Norte, a sua altura, para um determinado lugar seria sempre a mesma, e seria igual à latitude do local. No entanto, ela encontra-se ligeiramente afastada do pólo, razão pela qual se torna necessário aplicar uma pequena correcção. O seu valor era definido pela posição relativa da Polar com outra estrela da Ursa Menor, a Kochab. O Regimento do Norte era o conjunto de regras que indicava o valor dessa correcção, para, a partir da altura da Polar, conhecer a latitude do lugar.

Regimento do Cruzeiro do Sul—No hemisfério sul a Estrela Polar não é visível. Quanto passaram para sul do equador, os marinheiros procuraram uma estrela que se encontrasse próxima do Pólo Sul para usarem como usavam a Polar. Não existe nenhuma estrela suficientemente brilhante tão próxima do Pólo Sul. Apesar disso, foi desenvolvido um regimento, equivalente ao Regimento do Norte, para uma constelação, o Cruzeiro do Sul. O seu inconveniente advinha do facto de as estrelas usadas se encontrarem bastante afastadas do pólo, o que acarretava erros elevados.

Regimento do Sol—Para obviar alguns inconvenientes que a observação das estrelas implicava foi desenvolvido um conjunto de regras para obtenção da latitude pela observação da altura do Sol, quando este atinge a sua altura máxima, isto é na passagem meridiana. Para usar este processo era necessário conhecer uma coordenada do Sol, a declinação, que varia de dia para dia, e resolver algumas contas de somar ou subtrair. As contas a fazer variavam em função dos valores da declinação do Sol e da latitude do observador, sendo apresentadas como um conjunto de regras, a aplicar consoante os casos. Era este conjunto de regras que era conhecido como Regimento do Sol.

A generalidade destes regimentos resultariam da experiência acumulada pelos pilotos, resultando portanto de regras que eles definiram ao longo do tempo para resolver os problemas práticos que lhes surgiam. A única excepção será o Regimento do Sol, que foi desenvolvido por astrónomos, fornecendo estes os valores da declinação e as várias regras a aplicar.

Sendo os regimentos compostos por regras essencialmente práticas muitos deles são conhecidos a partir de textos usados pelos homens do mar no seu quotidiano. Contudo, também aparecem em trabalhos mais teóricos, como por exemplo nas obras de Pedro Nunes, que inclusivamente desenvolveu processos para conhecer a latitude pelo Sol a qualquer hora do dia. Dada a sua pouca utilidade prática não serão aqui abordados.

 António Costa Canas

05-2003

 Bibliografia

ALBUQUERQUE, Luís de, “Astronáutica”, Joel Serrão [dir], Dicionário de História de Portugal, vol I, Porto, Livraria Figueirinhas, [s.d.], pp. 242-243.
ALBUQUERQUE, Luís de, “Regimento”, Luís de Albuquerque [dir.], Dicionário de História dos Descobrimentos. Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, p. 934.
ALBUQUERQUE, Luís de, “Regimento do Cruzeiro do Sul”, Luís de Albuquerque [dir.], Dicionário de História dos Descobrimentos. Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, p. 934.
COSTA, Abel Fontoura da, A Marinharia dos Descobrimentos, 4ª ed., Lisboa, Edições Culturais de Marinha, 1983.
MARQUES, Alfredo Pinheiro, “Regimento das Léguas”, Luís de Albuquerque [dir.], Dicionário de História dos Descobrimentos. Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, p. 934.

Imagem: Representação gráfica do Regimento do Norte. Reproduzido de PEDROSA, Fernando Gomes (coord.) História da Marinha Portuguesa. Navios Marinheiros e Arte de Navegar. 1139‑1499, Lisboa, Academia de Marinha, 1997.

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