Cartografia
e Cartógrafos

Homem, Família

Vários elementos da família evidenciaram-se nas mais variadas áreas, como na actividade literária, no desempenho de cargos eclasiásticos e, principalmente, no cumprimento de funções políticas nas Ilhas da Madeira e dos Açores, em África e no Oriente, ou exercendo outros ofícios ligados à expansão portuguesa, como, por exemplo, navegadores e cartógrafos. Foi na ciência e arte de compor cartas náuticas que três elementos desta família mais se notabilizaram: Lopo Homem e seus filhos André e Diogo. Lopo Homem inicia o que Armando Cortesão denominou de “terceiro período ou escola” da cartografia portuguesa, que corresponde ao desaparecimento das concepções  ptolomaicas. Tal influência  vinha-se fazendo notar no traçado de várias regiões, como, por exemplo, o Oriente (entre outras), que aparecia mais alongado do que era na realidade.

O primeiro membro desta família é, como já referimos, Lopo Homem. Como é habíto, porém, no que respeita às biografias dos cartógrafos, os documentos conhe-cidos são pouco esclarecedores. Uma carta de D. Manuel, de 31 de Março de 1497, contém a primeira referência à sua pessoa. É-lhe concedida a administração de uma Capela na Vila de Punhete, que, segundo se supõe, pertenceria ao seu sogro, João Álvares. O documento também nos informa que a sua mulher se chamaria Isabel Álvares. Por alvará de 16 de Fevereiro de 1517, D. Manuel concede-lhe o privilégio de fazer e corrigir todas as agulhas, ou seja, é o responsável pela elaboração dos instrumentos necessários à navegação, cartas de marear para as armadas reais e, além disso, tinha a responsabilidade de examinar os instrumentos produzidos por outros.

Outros documentos nos indicam que este cartógarfo foi bastante interventivo na política expansionista da coroa, nomeadamente nas campanhas militares no Norte de África, chegando a ser nomeado cavaleiro da casa  real.

Foi também conselheiro da Junta que se reuniu em Badajoz-Elvas, no ano de 1524. Esta deveria averiguar se o arquipélago das Molucas se situava dentro da área de influência espanhola ou da portuguesa. A sua posição nesta conferência ainda não está completamente  esclarecida. Um documento do embaixador de Carlos V em Portugal refere um suposto Atlas, que estaria a ser elaborado pelo cartógrafo, o qual não seria favorável às pretensões portuguesas. Este testemunho tem vindo a ser considerado suspeito pelos historiadores da especialidade, pois Lopo Homem recebeu uma tença pelos bons serviços prestados na Junta.

Não sendo muito extensa, a obra cartográfica de Lopo Homem é considerada bastante perfeita, e de grande qualidade gráfica. Compõe-se pelo conhecido Atlas Homem-Reinéis, de 1519, o qual contém um mapa-mundi assinado e datado; por uma carta náutica de c. 1550, assinada e datada; por outra do mesmo ano, anónima, mas cuja autoria lhe é atribuida; e, um planisfério assinado e data do de 1554.

Da biografia do seu filho Diogo Homem pouco se sabe, mas chegou até nós um número considerável de trabalhos seus. Por uma carta de perdão de 4 de Agosto de 1547, temos conhecimento que foi obrigado a sair do Reino para Inglaterra, devido ao seu envolvimento num homicídio. Por esta razão terá desempenhado a sua profissão naquele país. Depois de D. João III lhe ter perdoado o crime regressou a Portugal, mas optou, por fim, por voltar a trabalhar em Inglaterra, para onde terá levado a técnica de elaborar cartas que aprendera com o seu pai.

De entre os seus vários trabalhos podemos salientar um dos Atlas de 1558, no qual, para além de desenhar algumas partes do orbe,  fornece várias noções cosmográficas. Num outro seu Atlas, do mesmo ano, e guardado em Paris, aparece uma nova forma de representar o Japão, já fruto das informações aí recolhidas pelos portugueses, e distanciada das anteriores, ainda bastante fantasiosas. Em cartas posteriores continua a aperfeicoar a representação deste arquipélago. Além da obra acima referida, este autor produziu mais dez cartas individuais, e onze Atlas, dos quais seis não estão assinados.  Menção especial merece a carta-portulado de c. 1566, que em boa hora, Marcel Destombes doou à Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Comenta este historiador que as obras deste cartógrafo são “hautemement décoratives, mais surtout parce qu’elles sont très détailles et relatuvement exactes”, e “les corrections de Diogo Homem sont si nombreuses (...) qu’en fail, il n’y a pas deux cartes de Homem absolutement semblables poul le dessin et la nomencalture ».

Em relação André Homem, tanto Sousa Viterbo, como Armando Cortesão, não dando certezas, aceitam a probabilidade deste ser parente dos anteriores, e mesmo filho de Lopo Homem, hipótese que Léon Bourdon veio confirmar. Em relação à sua vida sabemos que antes de 1559 ter-se-á exilado em França, ao tempo de Francisco I, afirmando-se seu cosmógrafo. Uma sua carta para o representante da Corte em França indica-nos a sua vontade de regressar ao reino, juntamente com uns seus irmãos, Tomé e António, também eles cartógrafos. Estes acabaram por voltar, tendo André optado por continuar a trabalhar em França.

A única produção cartográfica conhecida, de sua autoria, é um Planisfério datado de 1559, e que se encontra à guarda da Biblioteca Nacional de Paris.

Augusto O. Quirino de Sousa

Bibliografia
ALBUQUERQUE, Luís de. “Homem, Diogo”, in Luis de Albuquerque (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Vol. I, Lisboa, Círculo dos Leitores, 1994, pp. 500-501.
IDEM. “Homem, Lopo”, in Luis de Albuquerque (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Vol. I, Lisboa, Círculo dos Leitores, 1994, pp. 501-502.
CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos XV e XVI, Vol. I, Lisboa, Seara Nova, 1935, pp. 307-389.
IDEM, e MOTA, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Vols. I e II, Lisboa, INCM, 1987.
DESTOMBES, Marcel, “Une Carte Inédite de Diogo Homem, circa 1566”, in AAVV, Um Portulano de Diogo Homem (c. 1566) na Biblioteca Geral da Universidade. Homenagem a Marcel Destombes, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade, 1988, pp. 21-36.
GUERREIRO, Inácio, “Homem, André”, in Luis de Albuquerque (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Vol. I, Lisboa, Círculo dos Leitores, 1994, pp. 499-500.
VITERBO, Sousa, Trabalhos Náuticos dos Portugueses, Séculos XVI e XVII, Lisboa, INCM, 1988.

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