Cartografia
e Cartógrafos

Reinel, Pedro e Jorge

Com Pedro Reinel dá-se início ao segundo dos quatro períodos ou “escolas” da cartografia portuguesa,  estabelecidos por Armando Cortesão. Pedro Reinel, que teve  no filho Jorge um continuador da sua obra,  marca a transição do século XV para o XVI, no que concerne à  evolução da cartografia portuguesa. A sua obra reflecte os avanços científicos originados pelas viagens de descobrimento e expansão dos navegadores portugueses, e inicia o corte com as velhas concepções ptolomaicas na construção de cartas náuticas. Os primeiros documentos que nos dão notícia de Pedro e Jorge Reinel são duas cartas de mercê, datadas de 10 de Fevereiro de 1528, outorgadas por D. João III, concendo uma tença de 15.000 reis anuais a Pedro Reinel, e uma de 10.000 reis a seu filho Jorge. Temos igualmente notícia da presença de Jorge Reinel, como assistente do Dr. Pedro Nunes, no exame para mestres de cartas de marear, feito aos cartógrafos António Martins, em 1563, e Bartolomeu Lasso e Luis Teixeira, em 1564. Para além destes documentos, nos Livros da Vereação, existentes no Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa, existem dois autos de ajuramentação, datados de 29 de Agosto de 1551 e 29 de Novembro de 1554, respectivamente, em que aparecem Jorge Reinel e Lopo Homem como “exemjnadores darte de navegar”. 

Pedro Reinel, para além de ser o primeiro cartógrafo português de quem se conhece produção cartográfica, foi também o primeiro a assinar um trabalho seu. A sua carta  atlântica de c. de 1485 representa a costa ocidental do continente africano, e reflecte já as viagens de exploração levadas a efeito por Fernão Gomes (c. 1474) e por Diogo Cão na sua primeira viagem em 1482-1484, o que lhe confere um elevado significado e valor histórico. Esta carta, que se encontra à guarda dos Archives Departamentales de La Gironde, foi apresentada pela primeira vez em 1960, pelo Prof. Jacques Bernard. A produção cartográfica hoje conhecida, da  denominada “escola” dos Reinéis, assegura-lhes um justo lugar na cartografia portuguesa, tanto em termos cronológicos, como pela qualidade técnica, rigor científico e artístico das suas produções. A sua obra  é composta por mais oito cartas: a de c. 1504 está assinada Pedro Reinel, a de c. 1517, as duas de c. 1522  e a de c. 1535, são anónimas, atribuíveis a Pedro Reinel; a seu filho Jorge são atribuidas  a carta anónima datada de 1510, o planisfério de c. 1519, igualmente anónimo,  e a carta de c. 1540, assinada REINEL. Durante muito tempo as cartas que compõem o conhecido “Atlas Miller” foram atribuidas aos Renéis. Contudo, na sequência da descoberta do planisfério de Lopo Homem, datado de 1519, levantou-se o problema da atribuição da autoria, não só do planisfério como do referido Atlas. Assim, um grupo de especialistas reunido em Paris, em 1939, determinou que ambas as obras faziam parte de um conjunto, atribuindo a sua autoria a Lopo Homem e não aos Reinéis, opinião que não teve a concordância de Armando Cortesão, que atribuiu as cartas anónimas do mesmo Atlas a Lopo Homem-Reinéis, como hoje é conhecido.

Em 1519, na sequência de uma contenda com um clérigo de nome Pero Anes, Jorge Reinel refugiou-se em Sevilha, onde, ao que parece, continuou a trabalhar no seu ofício. Seu pai, deslocou-se nesse mesmo ano àquela cidade a fim de trazer seu filho de regresso a Portugal. Porém, no seguimento dos preparativos da viagem de Fernão de Magalhães, pai e filho vêem-se envolvidos numa situação obscura, conforme reza uma carta, datada de 18 de Julho de 1519,  enviada pelo feitor de Portugal em Sevilha, Sebastião Álvares, na qual informava D. Manuel que a “terra de Maluco eu vy asentada na poma e carta que ca fez o filho de Reynell, a qual nõ era acabada quando caa seu pay veo por ele, e seu pay acabou tudo e pos estas terras de Maluco e per este padram se fazem todalas cartas...”. Também Bartolomé Leonardo de Argensola, citado por Armando Cortesão e A. Teixeira da Mota, refere que Magalhães, a fim de obter o apoio de Carlos V para a sua viagem, se serviu de “vn Planisferio dibujado por Pedro Reynel”, no qual as Molucas estariam representadas a leste da linha de demarcação estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, celebrado entre Portugal e Espanha, portanto dentro do hemisfério espanhol. Durante as negociações da Junta de Badajoz-Elvas de 1524, os espanhóis terão tentado obter os serviços de Pedro e Jorge Reinel, oferecendo-lhes avultada soma, conforme Diogo Lopes de Sequeira e António de Azevedo Coutinho informavam D. João III,  por carta datada de 9 de Junho de 1524. Não obstante, os dois cartógrafos mantiveram-se ao serviço de Portugal.

Augusto O. Quirino de Sousa


Bibliografia
CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos XV e XVI, Vol. I, Lisboa, Seara Nova, 1935, pp. 28-30 e 251-305.
CORTESÃO, Armando, e MOTA, A. Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Vol. I, Lisboa, INCM, 1987, pp.19-46; Vol. V, 1987, pp. 3-4.
MARQUES, Alfredo Pinheiro, “Pedro e Jorge Reinel”, in Luis de Albuquerque (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 940-941.
VITERBO, Sousa, Trabalhos Náuticos dos Portugueses, Séculos XVI e XVII, Int. de José Manuel Garcia, Lisboa, INCM, [1988], pp. 258-266.

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