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Processo de construção
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A chegada aos mares do Índico e o consequente acesso aos mercados orientais motivou uma profunda reorientação da estratégia naval portuguesa, a qual ficou bem patente, desde logo, no emprego planeado da nau na armada de Vasco da Gama, em detrimento da caravela, até então elemento chave das explorações atlânticas. Os alvores do século XVI assistiram, assim, à definição de um novo paradigma das navegações lusas: assegurar a existência de uma frota poderosa em número, robustez e capacidade de deslocação, capaz de fazer escoar os abundantes fluxos mercantis associados a uma complexa rede de tráfico há muito estabelecida, garantindo simultaneamente o controlo e a segurança desses circuitos pela obtenção do domínio dos mares através da projecção à distância do poder naval.
A prossecução de tal objectivo determinou uma extraordinária intensificação da actividade de arsenais e tercenas nacionais, repercutindo-se mais acentuadamente na introdução de alterações nas traças arquitectónicas dos navios do que ao nível dos processos de trabalho. De facto, tendo rompido já há algumas décadas com procedimentos clássicos que exigiam mão-de-obra numerosa, o denominado método “esqueleto-primeiro”, baseado na montagem de uma super-estrutura composta pela quilha, rodas e balizas, à qual se acrescentavam em seguida os tabuados, continuou a assumir se como técnica de vanguarda na obtenção de cascos equilibrados. Complementando a metodologia de construção, o rigor geralmente colocado na selecção de madeiras sobro para o cavername, lariço e pinho para tabuado e, a seu tempo, espécies tropicais leves mas resistentes destinadas aos mastros e vergas permitiu produzir navios com uma vida útil superior a dez anos, não obstante a necessidade de frequentes cuidados de manutenção, sendo de realçar, entre outros, os problemas de deterioração das fixações de ferro que o ambiente tropical acelerava.
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Navio - desenho geométrico
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Quilha, popa e proa
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No que diz respeito à morfologia, a palavra de ordem era aumentar a tonelagem, inicialmente visando apenas o incremento da capacidade de carga e, mais tarde, em obediência a disposições régias, a incorporação de artilharia a bordo. Desta forma, apesar da frequência com que são confundidos na documentação coeva “pela muita mudança que fazem de tempo em tempo”, a nau e o galeão passaram a ser considerados os navios de longo curso por excelência, assistindo-se à introdução sistemática de modificações na estrutura e no aparelho, quer pela ampliação de castelos de proa e popa, quer pela inserção de um quarto mastro à popa a contra-mezena. No que toca à capacidade de deslocação, o lucro seguro da Rota do Cabo encarregou-se de produzir tonelagens sempre crescentes, atingindo-se arqueações médias na ordem dos 400 tonéis, existindo, todavia, referências a navios de 1000 e mais toneladas, o que acabou por determinar a imposição de limitações por parte da Coroa; pelo contrário, a intervenção reguladora central incentivou o crescimento da tonelagem dos navios privados que asseguravam as ligações ao norte da Europa e ao Mediterrâneo, principalmente através de isenções fiscais, mas também pela instituição de prémios à produção de embarcações de maior porte.
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Caverna mestra
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Como área de saber, a construção naval não escapou igualmente a todo este contexto de mudança. Tradicionalmente considerada como uma arte sigilosa, exclusiva de carpinteiros e mestres artífices que privilegiavam a manutenção de uma aura iniciática na transmissão do conhecimento, o qual, de um modo empírico, se ia complementando com o lento passar das gerações, a construção naval depressa se viu transformada numa verdadeira industria, fundamental à expansão portuguesa.
Nesta perspectiva, o controlo dos processos de produção deixou de assentar “na mão e no olho” dos especialistas, passando a recorrer-se em definitivo à geometria e à matemática enquanto instrumentos de cálculo e dimensionamento, evolução que se tornou evidente no esforço de enunciação de regras práticas e princípios teóricos consubstanciados na publicação de tratados técnicos, salientando-se os da autoria do Padre Fernando Oliveira, ainda no século XVI, e de Manuel Fernandes e João Baptista Lavanha durante o primeiro quartel de Seiscentos.
A definição da construção naval como actividade económica de transcendente importância estratégica nacional foi sintetizada de modo simples mas objectivo por Fernando Oliveira, na sua obra Livro da Fabrica das Naos (1580): “Para a arte de navegação os mais necessários instrumentos são os navios [...] e a navegação para a gente desta terra de Portugal [...] que pelo mar tem muntas ilhas, e terras, e conquistas: as quaes se não podem conquistar nem governar sem navegação.”
Bibliografia
BARKER, Richard, «Construção naval (séculos XV-XVI)», Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Dir. de Luís de Albuquerque e coord. de Francisco Contente Domingues, vol. I, Lisboa, Editorial Caminho, 1994, pp. 286-291.
COSTA, Leonor Freire, «A construção naval», História de Portugal, Dir. de José Mattoso e coord. de Joaquim Romero Magalhães, vol. III: No alvorecer da modernidade (1480-1620), Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, pp. 292-310.
DOMINGUES, Francisco Contente, Os navios do mar oceano : teoria e empiria na arquitectura naval portuguesa dos séculos XVI e XVII. Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2004.
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