Navios, Construção e Arquitectura Naval

Lavanha, João Baptista

A informação a respeito do seu início de vida é incerta, mas tudo leva a crer que nasceu na cidade de Lisboa, em meados do século XVI. Faleceu em Madrid a 31 de Março de 1624.

A sucessão de Filipe II ao trono português permitiu-lhe estabelecer uma colaboração entre ambos os reinos. Confrontado com a reunião de dois extensos impérios ultramarinos, este monarca procedeu a uma reestruturação progressiva dos seus núcleos centrais. O trajecto profissional de João Baptista Lavanha é um reflexo ou resultado da preocupação de melhorar o seu funcionamento pela qualificação académica e prática dos seus elementos.

A 1 de Janeiro de 1583 inicia a sua docência na recém criada Academia de Matemáticas de Madrid. Pretendia-se um ensino pluridisciplinar (Matemáticas, Geometria, Cosmografia e Navegação), com uma base essencialmente prática e que habilitasse em poucos anos o maior número de pessoas possível. O objectivo era conciliar um saber predominantemente empírico com a crescente necessidade de lhe fazer corresponder o devido conteúdo académico, de modo a implementar práticas regradas, menos perigosas e mais rendíveis.

A 4 de Novembro de 1586 foi criado um novo cargo, o de engenheiro-mor do reino de Portugal, para o qual foi nomeado, e em 1596 foi oficialmente designado cosmógrafo-mor, embora já desempenhasse as funções desde Fevereiro de 1591. De acordo com o regimento de 1592, era o titular deste cargo que certificava os pilotos e mestres dos navios, de modo a garantir a capacidade de desempenho das respectivas funções. Do seu tempo há conhecimento dos inúmeros exames realizados.

Os traços característicos da sua vida profissional foram o pluralismo e a diversidade. Foi encarregue, em 1597 e em 1606, de estudos hidrográficos e hidráulicos em Portugal e Espanha, e realizou estudos históricos e genealógicos – para tal deslocou-se à Flandres entre 1601 e 1604 –, e cartográficos, de que é exemplo a célebre Carta de Aragão, que concluiu em 1615, tendo sido publicada cinco anos depois. De igual modo, não se pode deixar de referir a sua nomeação de cronista-mor de Portugal a 9 de Março de 1618.

Pelos cargos que ocupou e pelo interesse demonstrado por várias áreas de actividade, Lavanha esteve sempre envolvido nas questões centrais da sua época, desde o problema do cálculo da longitude, passando pela construção das embarcações e seus eventuais consertos, pela arrumação da carga e pela orgânica dos profissionais de navegação, isto é, o seu comportamento a bordo e a interferência de uns e outros em funções que não lhes pertenciam.

As cartas de marear, os roteiros e os instrumentos náuticos também tinham de ser fabricados correctamente, o que exigia formação adequada dos seus técnicos e sua consequente certificação pelo cosmógrafo-mor. Longe de se tencionar alterar drasticamente o ensino dos técnicos de navegação, o que se desejava era regulamentar as bases indispensáveis do seu conhecimento, implementá-las efectivamente, o que se traduzia em progresso qualitativo e quantitativo dos recursos humanos e materiais que articulavam o sistema.

Para o autor do Livro Primeiro de Architectura Naval (c. 1600) a construção de um navio é um trabalho intelectual de grande precisão. Primeiro que tudo o arquitecto naval concebia mentalmente o navio, depois desenhava-o e, por último, projectava-o num modelo de madeira. Assim podia constatar os seus erros estruturais e corrigi-los. Este processo impunha-se de forma a alterar a situação: a liberdade que se permitia na construção das embarcações e as consequências nefastas desse desregramento. Deste modo, as Matemáticas, a Perspectiva, a Aritmética, a Geometria, a Astronomia e a Mecânica eram as disciplinas que concorriam para formar um saber heterogéneo, mas coerente, e imprescindível ao arquitecto naval.

O projecto que delineava consistia precisamente na comunicação ou interação entre as ciências exactas, base imprescindível, a arquitectura, que já consistia, em si, na interligação entre o Discurso e a Fábrica, e o saber decorrente da concretização ou aplicação prática do que se aprendera.



Brenda Xisto

Bibliografia

BARATA, João da Gama Pimentel, O «Livro Primeiro da Architectura Naval», de João Baptista Lavanha. Estudo e transcrição do mais notável manuscrito de construção naval portuguesa do final do século XVI e princípio do século XVII, Lisboa, Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia, 1965.

CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos séculos XV e XVI. Contribuição para um Estudo Completo, vol. II, Lisboa, Edição da «Seara Nova», 1935, pp. 294-361.

DOMINGUES, Francisco Contente, “João Baptista Lavanha e o Livro Primeiro de Architectura Naval”, Os Navios do Mar Oceano. Teoria e empiria na arquitectura naval portuguesa dos séculos XVI e XVII, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2004, pp. 107-157.

VALENTE, José Carlos Costa, “Mentalidade Técnica no Livro Primeiro de Architectura Naval de João Baptista Lavanha (c. 1600-1620)”, Mare Liberum, n.º 10, Lisboa, 1995 [1996], pp. 597-606.

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