Viagens, viajantes e navegadores

Baldaia, Afonso Gonçalves

Retornando Gil Eanes da viagem em que dobrou o cabo Bojador pela primeira vez, em 1434, e dando conta ao Infante D. Henrique de que se podia continuar a navegar para Sul, permitindo até que se utilizassem navios de maior porte que aquele que levara, fez o Infante armar um barinel, no qual madou Afonso Gonçalves Baldaia – que era seu copeiro - , e, assim, Gil Eanes com sua barca, mandando que tornassem lá outra vez [ao cabo Bojador], como, de facto, fizeram. E passaram, além do cabo, cinquenta léguas, onde acharam terra sem casas e rasto de homens e de camelos. E, ou por lhes ser assim mandado ou por necessidade, tornaram com este recado sem fazer outra coisa que de contar seja” (Gomes Eanes de Zurara, Crónica dos Feitos da Guiné, cap. IX).

Apesar de ter representado um progresso notável para o decurso da exploração maritima ao longo da costa ocidental africana, o alcance limitado desta viagem não poderia ter satisfeito o Infante, que logo de seguida reenvia Baldaia no mesmo barinel, com instruções explícitas de procurar gentes e trato de mercadorias, recomendado que a exploração fosse o mais longe possível e encontrasse língua para se entenderem com quem se encontrassem (isto é, um intérprete). É o que diz Zurara no capítulo seguinte da Crónica, onde relata com um detalhe que não podemos reproduzir aqui o que aconteceu durante essa segunda viagem de Baldaia, sendo hoje aceite que esta expedição atingiu o Rio do Ouro e a Pedra (ou Porto) da Galé (22º 3’ lat. N), acidente geográfico assim denominado por causa de “uma pedra que ao de longe parecia galé”, isto em 1436 ou ainda em 1435, já que Zurara afirma que tudo se passou no ano de 1436, mas tinha começado por deixar escrito no início desse mesmo capítulo (o que se compagina mal com a data em apreço) que “o navio foi mui depressa prestes”, subentendendo-se que tenha sido aprestado logo depois do regresso da viagem de 1434.

No barinel iam embarcados dois cavalos que foram usados por dois moços, como lhes chama Zurara – Heitor Homem e Diogo Lopes de Almeida -, que neles se internaram por terra e vieram a avistar dezanove homens, “todos juntos em magote”, com os quais pelejaram, acabando por regressar sem conseguir capturar alguns deles; e Baldaia acabou por retornar “sem poder haver certo conhecimento se aqueles homens eram mouros ou gentios, nem que vida tratavam ou maneira de viver tinham”.

Não volta a haver notícia da ligação de Baldaia às navegações, mas sabe-se que D. Duarte o nomeia almoxarife das sizas e direitos reais do seu almoxarifado do Porto, sem prejuízo de ser da casa do irmão, e mais tarde o seu nome aparece entre o dos povoadores da ilha Terceira, nos Açores.

O que há a destacar quanto à participação de Afonso Gonçalves Baldaia nas viagens de exploração é todavia o facto de ser a primeira vez que, segundo tudo leva a crer, uma expedição ser entregue ao comando de alguém que não ser parece ser oriundo do meio naval. Baldaia era da casa do Infante, seu copeiro, mas, ao contrário de Gil Eanes, nada indica que tivesse outra competência senão essa mesma, a de ser um homem de confiança do armador, neste caso o Infante D. Henrique. Este padrão tornou-se claro no século XVI, quando o comando de navios e armadas era entregue a homens de confiança do armador, ficando a navegação a cargo dos pilotos, mas é bem possível que tivesse sido mais comum do que se pensa já no século XV.

Francisco Contente Domingues

Bibliografia

PERES, Damião, História dos Descobrimentos Portugueses, 4ª ed., Porto, Vertente, 1992.

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