Viagens, viajantes e navegadores

Coelho, Gonçalo

Conhecida em Lisboa a notícia do achamento do Brasil pela armada de Cabral (notícia de que foi portador Gaspar de Lemos), foi desde logo preparada uma armada destinada a reconhecer o litoral da nova terra. Com efeito, era forçoso conhecer o que nela havia que se aproveitasse. Pese embora o laconismo das fontes é possível afirmar que a primeira dessas expedições teve início em 1501 (terminando em 1502) e, segundo Vespúcio na sua Lettera, bem como o autor da Relação do Piloto Anónimo, seria constituída por três embarcações, provavelmente caravelas, ainda de acordo com uma carta de Giovanni Affaitati a Piero Pasqualigo. A identificação do seu capitão não é facil, embora em obras portuguesas do século XVI surjam referências pouco claras a uma viagem comandada por Gonçalo Coelho (que, no entanto, fazem referência a 6 navios). Mesmo a leitura dos textos de Vespúcio (único relato sobre a navegação) não traz luz ao problema na medida em que aquele omite referências que pudessem pôr em causa a sua primazia. Neste como noutros casos é o estudo cartográfico que permite avançar com algumas hipóteses interpretativas consistentes. Com efeito, a identidade do capitão da armada enviada em 1501 às costas do Brasil é esclarecida pelo mapa de Maggiolo (datado de Fano, 8 de Junho de 1504) no qual se encontra inserida, sobre a representação do território brasileiro, a legenda Terra de Gonsalvo Coigo vocatur Santa Croxe. Com efeito, parte dos topónimos evidenciados demonstram que a expedição percorreu território do que viria a ser o Brasil, atribuindo-lhes designações de raíz portuguesa (pormenor a destacar é o facto de, novamente de acordo com as informações presentes nas cartas do florentino, os navios da expedição se terem cruzado, nos primeiros dias de Junho, ao largo de Cabo Verde, com algumas das embarcações da armada de Cabral, já no regresso da Índia. A chegada ao Brasil terá tido lugar na região do Rio Grande do Norte,  devendo a armada ter continuado a sua navegação até à Ilha de Cananeia, onde cessa a toponímia da costa e o respectivo desenho nos documentos cartográficos coevos. A partir desse ponto da costa a navegação terá deixado de ser costeira prosseguindo para Sul até uma latitude que não deverá ter ultrapassado os 26º. Determinado o regresso a Lisboa dirigiram-se para a Serra Leoa, fazendo ainda escala nos Açores. Percorrendo tão larga extensão de costa para Sul fica explicado que, a partir de 1502, começasse a ganhar crédito a suspeita de que se estava no que “se crê ser terra firme”, conforme se lê numa legenda da carta de Cantino, e não numa ilha.

A crónica de D. Manuel de Damião de Góis dá-nos notícia de uma segunda armada capitaneada por Gonçalo Coelho (que terá partido a 10 de Junho de 1503 e regressado em 1504), composta por seis navios, das quais quatro não regressariam e identificável com uma expedição a que Vespúcio se reporta nas Quatuor Americi Vesputti Navigationes de 1507. A frota ter-se-á dirigido a Cabo Verde, e atingiria depois a ilha de Fernando de Noronha, a 10 de Agosto, onde naufragaria a capitânea. Aí se separariam os navios restantes não voltando Vespúcio, segundo a sua Lettera, a rever o capitão no decurso da expedição. Vespúcio e outro capitão teriam rumado a Sul durante cinco meses podendo ter atingido Cabo Frio onde, em 1511, ano de realização da viagem da nau “Bretoa”, existiria uma feitoria. Nesse ponto da costa (ou em Porto Seguro) teriam então construído uma feitoria-fortaleza onde ficaram 24 homens. Os outros navios da frota terão descoberto a Ilha da Trindade.

Atendendo aos elementos que acima se expõe é possível atribuir a Nicolau Coelho um  papel extremanente importante no reconhecimento da costa brasileira, o que se terá traduzido no aperfeiçoamento dos conhecimentos cartográficos, condições de navegabilidade e atribuição de topónimos potenciadores de uma navegabilidade e estabelecimento posterior com bases mais seguras. Todavia, a presença de Vespúcio é que lhe confere especial relevo fora de Portugal, mediante as suas cartas remetidas a Florença e daí divulgadas pela Europa.

Duarte Nuno G. J. Pinto da Rocha


Bibliografia
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CORTESÃO, Armando, História da Cartografia Portuguesa, Lisboa, 1970.
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IDEM, Amerigo Vespucci e as suas viagens, São Paulo, Instituto Cultural Italo-Brasileiro, 1954.
MOTA, Avelino Teixeira da, Novos Documentos sobre uma expedição de Gonçalo Coelho ao Brasil, entre 1503 e 1505, Lisboa, Junta de de Investigações Científicas do Ultramar, 1969.
SOUZA, T. O. Marcondes de, O Descobrimento do Brasil, 2ª edição, São Paulo, Gráfica-Editora Michalany, 1956.

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