Guerra, Política e Organização Naval

Armadas do Estreito

A segurança naval é um aspecto crucial para o comércio e para as nações que, como Portugal, dependem em muito das ligações marítimas para o seu sustento. Do ponto de vista estratégico o controlo de estreitos e outros pontos nevrálgicos é determinante para esse mesma segurança. Por isso desde cedo Portugal preocupou-se com uma região perto de si que continha todas estas características: o Estreito de Gibraltar. Mais tarde, com a expansão para o Oriente, tornou-se evidente que também ali era necessário controlar alguns desses locais. Devido às características geográficas da orla costeira o esforço teve de ser bastante maior já que os Estreitos são em bastante maior número.

O Norte de África foi sempre um bom local de abrigo para piratas e corsários com este tipo de actividade a intensificar-se a partir do século XVI. Até à criação oficial da Armada do Estreito em 1520 vamos assistir a diversas acções levadas a cabo por armadas a que poderemos chamar mistas, tinham funções de conquista ou destruição de pontos inimigos em terra e de patrulha no mar.

A criação desta Armada corresponde a uma resposta por parte de D.Manuel à pressão exercida por mouros, e agora, também por turcos. Outro factor é a necessidade de protecção do crescente valor da navegação entre o Norte de África e Portugal. Esta Armada tem dois centros: um local, onde estão em permanência  caravelas armadas que podem oscilar entre uma e seis, a que podemos chamar de Armada regular, e outro exterior, em Lisboa, de onde saíam as Armadas Extraordinárias. Estas últimas compostas por mais e maiores navios davam um poder de fogo adicional imprescindível para derrotar corsários cada vez mais atrevidos e perigosos.

Esta Armada teve no entanto uma vida difícil e curta já que pouco depois da sua criação sobe ao poder D. João III (1521), que desenhou uma nova política para o Norte de África. Em 1552, por assento régio entre Portugal e o Império de Carlos V, a situação quanto à constituição e alcance das diversas armadas fica definida. Portugal recua a sua armada para o Algarve podendo eventualmente fazê-la rumar até Gibraltar, conseguindo mesmo que a responsabilidade dessa defesa passe para a parte espanhola.

No Oriente houve três locais que assumiram uma maior importância: o Golfo de Adem na entrada do Mar Vermelho, o Estreito de Ormuz na entrada do Golfo Pérsico, e por fim o Estreito de Malaca, já no Sudeste Asiático. Sinal evidente desta preocupação é o envio, logo na armada de 1502, de Vicente Sodré com ordens para ir à costa sul da Arábia e em 1503 para António Saldanha fechar os “Estreitos” à navegação muçulmana.

Com o evoluir da estrutura Imperial portuguesa vai crescendo quer a necessidade deste tipo de armadas quer a sua complexidade. Para o Índico Ocidental foram criadas duas grandes armadas com dois centros principais. Havia a Armada do Estreito originária de Goa (com duas saídas anuais em Outubro e Fevereiro ou Março) e destinada ao Mar Vermelho, e uma outra com idêntica funções mas com origem em Ormuz. Por fim havia uma terceira armada que sairia de Goa e deveria patrulhar o Estreito de Ormuz duas vezes por ano (em Setembro-Dezembro e Março). Naturalmente que sendo este o sistema ideal não se impedia a constituição de forças adicionais, sempre que possível.

No Sudeste Asiático circulavam quatro armadas principais com o objectivo de segurar e proteger uma área que era ainda mais complexa do ponto de vista geográfico que o Índico Ocidental. Assim foram criadas duas grandes armadas com origem em Goa: a de Malaca com duas saídas anuais, em Março-Abril e Setembro, e a do Mar do Sul também com duas saídas anuais (podia em caso de dificuldades na origem seguir apenas uma vez) em Janeiro e na segunda metade de Agosto. Esta última tinha uma muito maior preocupação pelas áreas de Banda e Maluco e, a partir dos inícios do século XVII (com o aparecimento dos holandeses naqueles mares), com o Estreito de Sunda.

Duas outras armadas, mais pequenas e frágeis, tinham origem em Malaca e usavam a mesma designação (Armada do Estreito) mas com destinos e frequências diferentes. Enquanto uma se dirigia para o Estreito de Singapura uma vez por ano (Dezembro), a outra ficava no Estreito de Malaca constituindo-se duas vezes ao ano em Abril ou Maio e em Setembro.

Apesar de estes serem os principais locais de patrulha outros havia, como o Cabo Comorim no extremo Sul da Índia, que exigiam por vezes o envio de armadas, visto que a zona era muito frequentada pela navegação mercante e como tal estava sujeita aos sempre inesperados ataques da pirataria.

Todo este dispositivo tinha por objectivo defender da pirataria a navegação comercial afecta aos interesses portugueses, bem como atacar e evitar a concorrência de potências inimigas. Todo o esquema assentava no envio regular de armadas do cento (Goa) recebendo ajudas locais (Ormuz, Malaca ou Mascate).

Rui Godinho

Bibliografia
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FARINHA, António Dias, Os portugueses no Golfo Pérsico (1507-1538): contribuição documental e crítica para a sua história, Lisboa, [Dissertação complementar de Doutoramento apresentada à F.L. da Univ. de Lisboa], 1990.
GODINHO, Rui Landeiro, “A Armada do Estreito de Gibraltar no século XVI”, Actas do Colóquio Vasco da Gama os Oceanos e o Futuro. Escola Naval, 23 a 27 de Novembro de 1998, [s.l.], Escola Naval, 1999, pp.182-190.
JESUS, João Carlos, As Armadas do Sul. A navegação militar no Índico Oriental, 1580-1607, Lisboa, [Dissertação de Mestrado apresentada à F.L. da Univ. de Lisboa], 1998.

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