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Revista Digital sobre Tradução - Número 1- Maio 2002 |
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Artigo (3.ª parte)
Língua Quanto ao termo língua, ele é dominante em toda a época da
Expansão e Descobrimentos Portugueses. O termo refere não só o intérprete, com competências comunicativas através do uso de duas ou
mais línguas, mas também aquele que fornece aos portugueses
informações sobre a geografia, gentes, costumes e riquezas das zonas
‘descobertas’. Em numerosos casos, o processo de descoberta não
poderá dar-se por concluído sem essas informações. O termo língua tomou o lugar do termo turgimão na escrita
dos cronistas. Se Azurara, na obra já mencionada, narra as viagens de
descobrimento realizadas até ao reinado de D. Afonso V, utilizando,
como constatámos, o termo turgimão, os cronistas dos reinados
seguintes utilizarão o termo língua, o que quer dizer que o termo se
implantou ainda antes do século XVI ter o seu início. Rui de Pina
utiliza o termo na sua Crónica de D. João II na descrição que faz da
viagem ao Congo levada a cabo no reinado do Príncipe Perfeito (D. João
II – 1481-1495). Para além das obras de Rui de Pina e de Garcia de Resende,
todos os cronistas do século XVI utilizarão o termo. João de Barros,
que na sua Década Primeira narra as viagens que foram também objecto
da pena de Azurara, coloca o termo língua onde Azurara colocara o termo
turgimão. Barros utiliza a língua em uso no seu tempo para descrever
os acontecimentos de um tempo que não viveu. Veja-se a descrição da
viagem de Valarte a Cabo Verde, realizada em 1447, descrita pelos dois
cronistas. O Infante (D. Henrique) (...) mandou logo armar uma caravela, o mais cumpridamente que se pode fazer, dizendo que se fosse a Cabo Verde, e que vissem se poderiam haver segurança do rei daquela terra, porquanto lhe fora dito que é mui grande senhor, mandando-lhe suas cartas (...). Não podemos, como se compreende, continuar a referir as
numerosíssimas fontes de estudo do século XVI que mencionam o termo língua. O termo
língua está presente na escrita do século XVI sempre
que se trata de assinalar a presença do sujeito que realiza o acto
interpretativo em determinado acontecimento, efectuado quer de forma
esporádica, quer por determinação de um cargo de que se recebera a
incumbência tendo em vista uma missão concreta, quer por dever de um
ofício de intérprete, existente nas ‘repartições públicas’ das
cidades, fortalezas e possessões conquistadas e mantidas pelos
portugueses. Não será despropositado lembrar que o leque das línguas
nas quais a interpretação tinha que realizar-se sofreu as alterações
necessárias de modo a acompanhar o trajecto da Expansão. Ao Árabe,
provavelmente a principal língua de trabalho do turgimão, para além
do Português, juntaram-se as línguas africanas e as línguas do
Oriente. Os línguas competentes no Árabe eram indispensáveis na parte
oriental da África, na costa do Malabar, em Goa e em Malaca, mas cedo
encontramos línguas competentes nas línguas autóctones, que não
necessitam de utilizar a língua franca (o Árabe) e que contribuem
assim para a implantação da nova língua franca – o Português. O termo língua é ainda utilizado pelos relatos das viagens
à China e ao Japão e pelas cartas e relatórios dos homens que se
dedicaram à missionação, tanto em terras do Oriente, como nas terras
do Brasil, além de continuarmos a encontrá-lo nos documentos de
Chancelaria dos reis que governaram durante o século XVI. Datados dos
meados do século passado (XX), encontramos textos legislativos de Macau
que ainda utilizam o termo língua.
Carlos Castilho Pais |