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As opiniões de Rodrigues na questão de terminologia, conforme manifestadas na sua carta de 1616, são aqui expostas com certo detalhe porque o problema iria ocupar a sua atenção e provocar reacções suas até ao final da sua vida. O ponto central do problema não dizia tanto respeito ao que era ensinado pelos missionários, pois não havia qualquer desinteligência sobre doutrina católica como tal; a disputa centrava-se à volta de como estes ensinamentos deviam ser transmitidos na língua chinesa. Numa primeira impressão parece tratar-se meramente de como traduzir termos europeus numa língua asiática, e sem dúvida não existiam grandes dificuldade nas conversas de todos os dias. As palavras são, no fim de contas, meros sons convencionalmente usados para exprimir objectos ou conceitos. Como muitos dos objectos concretos são comuns às experiências de asiáticos e europeus é relativamente fácil evitar mal entendidos quando se usa uma língua para descrever coisas materiais. Mas surgem rapidamente dificuldades quando se pretendem exprimir conceitos abstractos num idioma estranho, e era especialmente difícil transcrever numa língua asiática o significado preciso de termos empregados numa disciplina tão exacta como a teologia. Com efeito, a tradição intelectual chinesa, desenvolvida sobre o confucionismo, budismo e taoismo, não possuía muitos dos conceitos comuns no ensinamento cristão e, consequentemente, era por vezes difícil e às vezes impossível encontrar os equivalentes exactos de certos termos técnicos.
O problema surgira logo no início da missão do Japão, e S. Francisco Xavier durante algum tempo utilizara o nome Dainichi, a divindade panteísta reverenciada pela seita budista Shingon, para exprimir o conceito cristão de Deus, uma escolha particularmente infeliz pois, independentemente do que possa querer dizer, Dainichi não se aproxima nem de forma remota do conceito cristão de divindade. Outros termos budistas usados nos primeiros anos eram "jodo" - paraíso, "jigoku" - inferno e "tennin" - anjos. Mas ao empregar este vocabulário técnico, os jesuítas corriam o risco de ser considerados como meros propagadores de uma das numerosas seitas budistas, e existem provas de que pelo menos alguns neófitos deixaram a igreja "dizendo que haviam sido enganados uma vez que tinham pensado que ao aceitar o cristianismo estavam a adoptar uma religião em harmonia com os ensinamentos Shaka ou Amida.
Para combater esta impressão errada os jesuítas decidiram empregar termos tradicionais em latim ou português para exprimir conceitos cristãos, e por 1555 as palavras budistas já não eram usadas em sermões e na instrução. No seu lugar usavam-se termos ocidentais como "Deus", "trindade", "anima, "sacramento", "persona e "eucaristia. Conforme Rodrigues explica na sua Arte Grande: "Porque na língua de japon faltam algumas palavras pera explicar muitas cousas novas que o sagrado Evangelho traz consigo, é necessário ou inventar de novo, o que em Japam é difícil, ou tomalas de nossa língua corrompendoas conforme melhor cair na pronunciaçam de Japam, ficando como naturais."
Esta extrapolação de terminologia religiosa deixava um pouco a desejar pois aos olhos de muitos japoneses servia apenas para acentuar a origem estrangeira do cristianismo. Por outro lado, era o caminho mais seguro (e na sua carta de 1616 Rodrigues manifesta em geral uma preferência "o mais certo entre os doutores Sagrados"), porque os neófitos não terão ideias preconcebidas ou erradas acerca do significado das novas palavras. Tratava-se de facto de escolher o melhor de dois males, introduzindo vocábulos estrangeiros mas exactos em vez de adaptar os vocábulos japoneses e correr o risco dos convertidos inconscientemente se agarrarem aos significados budistas originais. A terceira possibilidade teria sido a criação de palavras japonesas inteiramente novas compostas de caracteres adequados, e embora Rodrigues mencionasse que teria sido possível "inventar algumas novas palavras", esta solução não foi nunca adaptada. Possivelmente, como resultado da infeliz experiência com Dainichi, os jesuítas no Japão preferiram jogar pelo seguro e recorrer aos termos ocidentais tradicionais.
- Michael Cooper, S. J., Rodrigues, O Intérprete, Um Jesuíta no Japão e na China, tradução de Tadeu Soares, Quetzal Editores, Lisboa, 1994, pp. 291-292.
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