Na História Trágico-Marítima, lemos o relato do naufrágio de Manuel de Sousa, ocorrido em 1552 no Natal. Dois anos depois, dá-se o naufrágio da nau S. Bento, de Fernão d’Álvares Cabral, relatado por Manuel de Mesquita Perestrelo. É no relato deste que encontramos as únicas informações relativas a Gaspar de que dispomos:
(...) um moço chamado Gaspar, que ficara da destruição de Manuel de Sousa; e sabendo nossa ida, veio esperar, desejoso de tornar-se a terra de cristãos; e porque a coisa de que mais necessitados estávamos era de língua, demos todos muitas graças a Deus por nos socorrer em tal tempo, inspirando tanta fé em um mancebo, e mouro de nação, que d’entre aqueles matos e gente quase selvagem, de que já tinha tomado a natureza, se movesse a querer ir connosco e passar tantos trabalhos, como tinha experimentado, sem obrigação alguma que a isso o movesse. Este nos contou, entre outras cousas, como Manuel de Sousa também pelejara com os cafres destoutra banda, e lhes matara um à espingarda.
A nossa fonte não refere qualquer actividade de Gaspar enquanto língua. Todavia, uma vez que Perestrello aponta a necessidade de línguas (“necessitados estávamos era de língua”), podemos supor que Gaspar desempenhou efectivamente as tarefas que habitualmente competiam aos línguas nesta época (séc. XVI). Por isso, este dicionário não podia deixar de o incluir nas suas páginas.
Fonte: História Trágico-Marítima, Porto, Portucalense Editora, 1942, pp. 83-84.