Revista Digital sobre Tradução - Número 8 - Abril 2008


ARTIGO

Bocage, tradutor

Carlos Castilho Pais
Universidade Aberta



Acabou há pouco de comemorar-se o bicentenário do falecimento de Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805). No número anterior, prometemos aos nossos leitores que haveríamos, aqui, de dedicar-nos a um estudo mais aprofundado sobre o poeta/tradutor. Para muitos, será indispensável situar o escritor de forma a que possam continuar a procurar informação, a ler os seus versos. Evidentemente, temos em mente os nossos leitores que vivem no estrangeiro, porventura menos familiarizados com a História da Literatura Portuguesa. Todavia, para todos, ou quase todos, o Bocage tradutor será uma novidade. Daniel Pires, o impulsionador das recentes Comemorações, no texto introdutório ao catálogo da exposição sobre Bocage que a Biblioteca Nacional levou a cabo de 17 de Novembro de 2005 a 28 de Janeiro de 2006, justificando uma perspectiva actual que considera ‘mutiladora e parcial’, escrevia:

Por outro lado, poucos são os estudiosos que estão cientes da actividade de Bocage como tradutor. As suas versões portuguesas de textos clássicos latinos, entre os quais se contam autores como Virgílio e Ovídio, caracterizam-se pelo rigor e pela originalidade. Estes juízos de valor poderão ser também aplicados às suas traduções da língua francesa de escritores que fizeram escola na época, como Voltaire, La Fontaine, Lesage, Florian, Lacroix, d’Arnaud, Dellile e Castel.

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A constatação, verdadeira, é, também, paradoxal. Com efeito, Bocage é um nome incontornável da Nova Arcádia (1790-1793) e, no plano social, é uma personagem catalizadora dos movimentos e das mudanças da época. O nome de Bocage é de menção obrigatória quando referimos os ecos da Revolução Francesa (1789) entre nós. A era pós-Pombal em que Bocage viveu fica ilustrada com a passagem do poeta pelos calabouços do Limoeiro (1797) e pela ‘reeducação’ forçada em vários hospícios conventuais lisboetas (convento de S. Bento e Necessidades). Os interrogatórios do Santo Ofício e a passagem pelo Oriente (1789) serão outros tantos episódios de uma vida que terão que assinalar-se, quando o tema for a prolongada agonia do império. Em termos estritamente literários, regista a História, em Bocage, sobretudo o exímio cultivador do soneto, o que é de máxima importância, porque, nessa História, raríssimos são os eleitos. A esta prerrogativa da escrita de Bocage até a censura do Estado Novo se curvava. Mas... se isto não bastasse, aí estavam os nomes do Romantismo Português (Garrett, Herculano, Castilho) a obrigarem a uma estadia junto do nosso autor.

Paradoxal é, portanto, este esquecimento da actividade do Bocage tradutor ou da tradução em Bocage enquanto dado cultural, de um papel singularíssimo na sociedade do nosso século XVIII. Podíamos continuar a referir os nossos românticos, que, eles, não esqueceram esta actividade de Bocage. Podíamos referir outros tradutores seus contemporâneos, também nomes ilustres da nossa História Literária – Curvo Semedo, José Agostinho de Macedo, Filinto Elísio. Ou, então, as acesas polémicas a que o nome de Bocage continua ligado, tendo a tradução ora por tema principal, ora por tema adjacente. Não seria descabida, bem pelo contrário, uma antologia de textos capaz de fornecer uma visão da recepção da obra de Bocage. Nela caberiam certamente os versos de António Ribeiro dos Santos que, uma vez mais (Cf. Pais, 1997: 16), vou buscar ao ensaio de Maria Helena da Rocha Pereira «Bocage e o legado clássico» (Cf. Pereira, 1967-68):

Um é original, outro versão,
vários na língua, mas tão bem par’cidos,
que diriam que foram produzidos
por um esp’rito só, uma só mão.

O poeta e o tradutor
tanto entre si se ajustaram,
que parece que eles ambos
numa só lira tocaram.



A obra traduzida de Bocage

IDENTIFICAÇÃO DA OBRAS TRADUZIDAS

Obra traduzida

Forma da tradução

Autor do original / Língua

Ano de 1ª edição / escrita

Editor

Eufémia ou o Triunfo da Religião

Verso

François Thomas Marie de Baculard d’Arnaud

/Francês

1793 *

Oficina de Simão Tadeu Ferreira

História de Gil Blaz de Santilhana

Prosa

Alain René Lesage

/Francês

1797

Oficina de Simão Tadeu Ferreira

As Chinelas de Abu-casem

Prosa

 

1797

 

Os Jardins, ou a Arte de Aformosear as Paisagens

Verso

Jacques Delille/Francês

1800 *

Tip. Calcográfica do Arco do Cego

Ao Sereníssimo, Piíssimo, Felicíssimo, Príncipe Regente de Portugal...

Verso

José Francisco Cardoso de Morais/Latim

1800

Tip. Calcográfica do Arco do Cego

Ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor D. Rodrigo de Sousa Coutinho

Verso

José Francisco Cardoso/Latim

1800

Oficina de Simão Tadeu Ferreira

As Plantas

Verso

René Richard Louis de Caste/Francês

1801 *

Tip. Calcográfica do Arco do Cego

O Consórcio das Flores, Epístola de La Croix a seu Irmão...

Verso

La Croix

/Francês

1801

Tip. Calcográfica do Arco do Cego

A Agricultura

 

Rosset

/Francês

1802

Tip. Calcográfica do Arco do Cego

Rogério e Víctor de Sabran, ou o Trágico Efeito do Ciúme

Prosa

Louis d’Ussieux

/Francês

1802

Of. de Antonio Rodrigues Gallardo

Galathéa, Novela Postoril Imitada de Cervantes

Prosa

Florian

/Francês

1802

Tip. Rollandiana/2ª edição (1819)

Ericia ou a Vestal

Verso

Dubois-Fontanelle

/Francês

1805 *

Impressão Régia

História de Paulo e Virgínia

Prosa

Bernardin de Saint-Pierre/Francês

1905

Porto: Lello & Irmão

Raimundo e Mariana

 

Não identificado

 

 

* Obras que contêm prólogo do tradutor.


O Bocage, tradutor não pode prescindir da identificação da obra traduzida. Não pretendemos dar por encerrada a pesquisa que pretenda identificar as obras traduzidas por Bocage. O quadro acima apresentado dá apenas uma ideia do estado em que se encontra a pesquisa actual, que terá que ser revista e actualizada após a publicação da Obra Completa, anunciada e já iniciada por Daniel Pires. A este quadro, há que acrescentar um conjunto de traduções de obras que Bocage apenas levou a cabo parcialmente.



IDENTIFICAÇÃO DA OBRAS TRADUZIDAS

Excertos de Obras

Autor do original

Lettres d’ Heloïse à Abélard

Versão da edição francesa de Colardeau, original inglês de Pope

Epístola a Marília

Imitação (do poeta Grego Alceu) de Parny

Arte de Amar

Ovídio

Lettres d’une Chanoinesse de Lisbonne à Melcour,Officier Français

Claude Joseph Dorat

 

Gessner

 Fábulas

La Fontaine

Odes

Anacreonte

La Henriade

Voltaire

Jerusalém Libertada

Tasso

Farsália

Lucano

Para além do que é evidente, e que os quadros mostram, a tradução dos clássicos e do francês, deve assinalar-se em Bocage o uso do verso na tradução e a explicitação, em ‘advertências’ ou ‘prólogos’, o modo próprio de encarar a tradução. O uso do verso é encarado por Bocage como ‘imitação’ da obra original. Se a obra original está escrita em verso, a tradução segui-la-á, utilizando também o verso na obra traduzida. A mestria do escritor/tradutor não se fica por aqui. A versificação da obra traduzida acompanha a da obra original na harmonia, na doçura e na energia, que esta emprega conforme a qualidade e grau da paixão a exprimir. Este programa ficou estabelecido logo na primeira obra traduzida por Bocage de que há memória, na ADVERTÊNCIA PRELIMINAR do tradutor a Eufémia ou o Triunfo da Religião (D’Arnaud), que, há já alguns anos, seleccionámos como texto representativo da tradução portuguesa no século XVIII (cf. Pais, 1997: 103).

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Continuemos ainda na mesma direcção. Quanto à palavra do tradutor, publicou Bocage mais três ‘prólogos’, acima assinalados. O prólogo, pela sua própria natureza, é a manifestação mais evidente da reivindicação da autoria da tradução. A inscrição da autoria faz-se acompanhar da referência aos atributos do escritor. Metemos nesta conta os princípios da imitação da versificação do original e da defesa do ‘fértil e majestoso’ idioma, expressos logo no primeiro prólogo. Mas, logo a seguir, Bocage apresenta um propósito, que não pode aqui deixar de ser assinalado, que consiste em “evitar os galicismos de que abunda grande parte das nossas traduções”. Outra coisa não seria de esperar de um escritor; porém, o realce deve abranger sobretudo o dado histórico da crítica às traduções, iniciado ainda neste século, que tomará, com os nossos românticos, a forma do combate que terá, com poucas excepções, nos traduzideiros o pólo oposto ao dos escritores.

Nas curtas linhas do prólogo (transcrito, por isso, na totalidade) a Os Jardins (1800), o leitor encontrará o tradutor a lembrar o poeta já com ‘cabedal’ firmado, o afecto do seu público e, por fim, a apresentar o texto da tradução enquanto ‘composição poética’.

A gloriosa reputação do abade Delille, como literato e como poeta; a estima geral, dada ao seu poema dos Jardins, onde se encontram todo a atavio, toda a graça e toda a filosofia de que é capaz o assunto, me incitou a versificá-lo em vulgar, apurando nisso o cabedal que possuo em poesia, cabedal muito inferior ao apreço e acolheita de que estou em dívida com os meus compatriotas. O amor à glória e à gratidão talvez ainda criem na minha alma um ardor que a fecunde, tornando-me digno do afecto, com que me honra o público; e entretanto lhe apresento esta versão, a mais concisa, a mais fiel que pude ordená-la, e em que só usei o circunlóquio nos lugares cuja tradução literal se não compadecia, a meu ver, com a elegância que deve reinar em todas as composições poéticas.

No prólogo de As Plantas (1801), a tradução iguala a escrita autónoma, é, tal como esta, ‘honra do nome’. Talvez por isso, a afirmação constante do eu poético aí sobressaia. Indiscriminadamente, Bocage – o da escrita autónoma ou o da tradução - poderá dizer – “Vate nasci, fui vate”. José Agostinho de Macedo (1761-1831), como se sabe, haveria de manifestar o seu desacordo - perguntando: traduzir, isto é ser vate? – numa polémica que se tornou célebre, da qual trataremos em seguida.

(...)
À Pátria os versos meus são aprazíveis;
Versos balbuciei co’a voz da infância;
Vate nasci, fui vate, inda na quadra
Em que o rosto viril, macio e tenro
Semelha o mimo da virgínea face.
Se às Musas não pertenço, eu, que a Virtude,
Filosofia, Amor, cultivo, adoro;
Eu, servo da moral, das leis amigo,
Nos outros, como em mim, prezando a glória;
Eu, que cem vezes concebendo o Olimpo,
Absorto com Platão num mundo estranho,
Ou de olhos divinais divinizado,
Sinto no coração, na voz, na mente
Tropel de afectos, borbotões de ideias,
E - «Eis o Deus! eis o Deus!...» - exclamo e voo
De repente onde mil nem vão de espaço;
Pertencereis às Musas, vós, sem fama,
Sem alma, sem ternura?... Ah! Longe, longe
De meus cândidos sons, que se enxovalham
Peçonhentos dragões, na peste vossa.
Graças, oh Febo, oh nume! Oh Lísia, oh pátria!
Vossos dons, vosso aplauso alteiam, firmam
Sobre a cerviz da Inveja o meu triunfo.

Deixamos ao leitor, por fim, os últimos versos do prólogo de Ericia ou a Vestal (1805). Sobre eles, mais nada haverá a dizer para além do que ficou dito acerca dos já mencionados. Que sirvam de motivação para frequentar a escrita do poeta tradutor.

(...)
Bocage os atraiu do Sena ao Tejo,
Bocage, que de afeito à desventura,
E aos tormentos d’amor, cantar não sabe
Seus gostos casuais, seus bens tardios:
De vãos prazeres frívolos escravos,
Vós, almas frias, que a tristeza enjoa,
Ah! Longe, longe; - às almas, como a sua,
Dirige o vate a lutuosa of’renda,
E o pranto, que notar, será seu prémio.

Esta viagem pelos textos dos prólogos, numa forma que tinha que ser tão concreta quanto possível, tendo em conta a diversidade geográfica dos nossos leitores e dadas as dificuldades de acesso que continuam a subsistir à maioria dos textos de Bocage, esta viagem, dizíamos, não pode substituir-se à leitura e ao estudo das traduções. A isso convidamos os nossos leitores, com o texto traduzido de uma fábula de La Fontaine. Texto original e texto traduzido figuram lado a lado. A fidelidade, sempre pedida à tradução, não deixará aqui de constituir problema, como em qualquer tradução do texto poético. Porém, é para o TEXTO na língua de chegada que chamamos a atenção dos nossos leitores.

La cigale et la fourmi
(La Fontaine)

La cigale, ayant chanté
Tout l’été,
Se trouva fort dépourvue
Quand la bise fut venue:
Pas un seul petit morceau
De mouche ou de vermisseau.
Elle alla crier famine
Chez la Fourmi sa voisine,
La priant de lui prêter
Quelque grain pour subsister
Jusqu’à la saison nouvelle.
«Je vous paierai, lui dit-elle,
Avant l’oût, foi d’animal,
Intérêt et principal.»
La fourmi n’est pas prêteuse:
C’est là son moindre défaut.
«Que faisiez-vous au temps chaud?
Dit-elle à cette emprunteuse.
- Nuit et jour à tout venant
Je chantais, ne vous déplaise.
- Vous chantiez? j’en suis fort aise:
Eh bien! dansez maintenant.»

A cigarra e a formiga
(Bocage)

Tendo a cigarra em cantigas
Folgado todo o Verão
Achou-se em penúria extrema
Na tormentosa estação.

Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga,
Que morava perto dela.

Rogou-lhe que lhe emprestasse,
Pois tinha riqueza e brilho,
Algum grão com que manter-se
Té voltar o aceso Estio.

«Amiga, diz a cigarra,
Prometo, à fé d’animal,
Pagar-vos antes d’Agosto
Os juros e o principal.»

A formiga nunca empresta,
Nunca dá, por isso junta.
«No Verão em que lidavas?»
À pedinte ela pergunta.

Responde a outra: «Eu cantava
Noite e dia, a toda a hora.»
«Oh! bravo!», torna a formiga.
- Cantavas? Pois dança agora!»



A polémica com José Agostinho de Macedo

Referida há pouco, a polémica de Bocage com José Agostinho de Macedo é reveladora de uma actividade no campo da tradução dos finais do século XVIII que não deixou indiferentes os poetas da Arcádia Lusitana. À generalidade destes poetas é reconhecida uma quota-parte de responsabilidade na voga das traduções de então. João Gaspar Simoes, na sua História da Poesia Portuguesa (Simões, 1956: 93-94), reconheceu também nas obras traduzidas por Bocage (Elmano Sadino), por José Anastácio da Cunha, pela Marquesa de Alorna e por Filinto Elísio um papel preponderante no nascimento do romantismo português.

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Outras polémicas tiveram lugar. Prometemos aos nossos leitores que a elas haveremos de voltar, inseridas na continuidade destas palavras sobre Bocage tradutor, no intuito de melhor ficarmos a conhecer o horizonte tradutório da obra do nosso tradutor.

Luís Augusto Rebelo da Silva, contemporâneo da contenda, diz que a polémica “durou cinco anos, e pouco antes da morte de Manuel Maria, é que um dia lhe apareceu Macedo em casa” (Silva, 1854: 83). Assim lançados os dados, vejamos então, com a ajuda dos textos, os trechos principais da contenda.

É costume referir as primeiras obras de Bocage publicadas pela Tipografia Calcográfica do Arco do Cego como razão para a zanga de Agostinho de Macedo, o que coincidiria com o tempo de duração da polémica, atrás apontado por Rebelo da Silva. Para a história, ficou-nos, isso sim, de forma segura, a Sátira dirigida pelo Padre José Agostinho de Macedo ao bem conhecido Poeta M. Maria Barbosa du Bocage, que circulava no início do século XIX. Pelo trecho seguinte, pode o leitor constatar a crítica que Macedo fazia a Bocage, voltando a ler os trechos dos prólogos de Bocage acima transcritos.

(...)
Tu que a soldo de um frade ao mundo embustes
Rasteiras cópias de originais soberbos,
Que vulto fazes tu? Quais são teus versos?
Teus improvisos quais? Glosar três motes
Com lugares-comuns de facho e setas,
Velhos arreios de menino idálio?
Glosar e traduzir isto é ser vate?
(...)
E se os deuses, se os mármores, se os homens
Negam o nome e os louros de Poeta
Aos autores medíocres, acaso
A Tradutor medíocre o dariam?
Que te pode abonar a eternidade?
Adubos, manteiga, traça e tudo
Que se embrulha em papéis de ineptos vates?
Nunca pode subir da Fama ao Templo
Um servil tradutor: não se franqueiam
As áureas portas que o Parnaso fecham
A alugados intérpretes dos outros;
Ninguém te inveja, te persegue e morde
Que uma emprestada luz ninguém deslustra;
(...)
(Macedo, 1848: 5-6)

Bocage responde às críticas de Macedo com o poema satírico que intitulou de Pena de Talião. O poema é, para nós, mais um meio da afirmação do modo de fazer e de encarar a tradução por parte de Bocage, no qual, para além do que já ficou dito, deve realçar-se uma concepção do traduzir próxima da naturalização do texto estrangeiro.

(...)
Responde ao teu juiz, ao são critério,
Réu de lesa-razão! Trazer à pátria
Nova fertilidade em plantas novas,
Manter-lhe as flores, conservar-lhe os frutos,
Quais eram no sabor, na tez, na forma,
Sendo o tronco, a raiz, a copa os mesmos,
Sem que os estranhe, os desconheça o dono,
É fadiga vulgar? Não tem mais preço
Do que esse, que os carretos galardoa
Do galego boçal nos férreos ombros?
Verter com melodia, ardor, pureza
O metro peregrino em luso metro,
Dos idiotismos aplanando o estorvo,
De um, doutro idioma discernindo os génios,
O carácter do texto expor na glosa,
Próprio tornando, e natural o alheio,
É ser bugio, ou papagaio, Elmiro?
Confronta originais, e as cópias deles;
Verás se a Musa, que de rastos pintas,
No voo altivo o Sulmonense atinge,
Castel transcende, e com Delille ombreia.
(...)
(Bocage, 1864: 264-165)

Como testemunho da reconciliação entre os dois amigos, ficou-nos o Epicédio na Morte de Manuel Maria Barbosa du Bocage que Macedo publicou na Impressão Régia em 1806. O trecho seguinte é-lhe pedido de empréstimo, para com ele fazermos a nossa homenagem ao Bocage tradutor.

Raza campa te encobre entr’outros mortos,
Mas tem hum Mausoléo, hum Templo, hum busto
Na minha estimação, nos teus escritos.
O que bebe no Rhódano espumante,
Os Sabios d’Albion, e o docto Ibéro
Te hão de aprender de cór, em quanto o Mundo
Se lembrar de Camões, de Tasso, de Milton,
Lhe ha de lembrar também d’Elmano o Nome.
(Macedo, 1806: 13-14)


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Bibliografia

AA. VV., A Casa Literária do Arco do Cego (1788-1801), B. N./INCM, 1999;

Bocage, Poesias Selectas, ed. de J. S. da Silva Ferraz, Porto, Livraria e Tipografia de F. G. da Fonseca, 1864;

_______,
Opera Omnia, ed. de Hernâni Cidade, Lisboa, Bertrand, 1969;

_______,
Obra Completa de Bocage, ed. de Daniel Pires, Volumes publicados: Sonetos de Bocage (Vol. 1, 2004); Cantatas, Canções, Idílios, Odes e Cantos (Vol. 2, 2005); Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas (Vol. 7, 2004), Porto, Edições Caixotim;

Gonçalves, Adalberto, Bocage – O Perfil Perdido, Lisboa, Caminho, 2003;

Macedo, José Agostinho de, Sátira dirigida pelo Padre José Agostinho de Macedo ao bem conhecido Poeta M. Maria Barbosa du Bocage, Lisboa, Imprensa Lusitana, 1848;

_______, Epicédio na Morte de Manuel Maria Barbosa du Bocage, Impressão Régia, 1806;

Nys, Florence Jacqueline, As Fontes Francesas das Cartas de Olinda e Alzira de Bocage, Univ. do Minho, 2005;

Pais, Carlos Castilho, Teoria Diacrónica da Tradução Portuguesa, Universidade Aberta, 1997;

Pais, Carlos Castilho Pais (Ed.), António Feliciano de Castilho, O Tradutor e a Teoria da Tradução, Coimbra, Quarteto, 2000;

Pereira, Maria Helena da Rocha, «Bocage e o legado clássico», Humanitas, vol. XIX e XX, Universidade de Coimbra, 1967/68;

Pires, Daniel, Catálogo da Exposição Eis Bocage, B. N., 2005;

Silva, Luís Augusto Rebelo da, Memória Bibliográfica e Literária acerca de Manuel Maria Barbosa du Bocage, Lisboa, Tipografia da Academia Real das Ciências, 1854;

Simões, João Gaspar, História da Poesia Portuguesa, vol. II, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1956.


(Continua).
o.


© Instituto Camões, 2006