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 Toca-se às grades, nas cadeias. SomQue mortifica e deixa umas loucuras mansas!
 O Aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças,
 Bem raramente encerra uma mulher de «dom»!
 E eu desconfio, até, de um aneurismaTão mórbido me sinto, ao acender das luzes;
 À vista das prisões, da velha Sé, das Cruzes,
 Chora-me o coração que se enche e que se abisma.
 A espaços, iluminam-se os andares,E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos
 Alastram em lençol os seus reflexos brancos;
 E a Lua lembra o circo e os jogos malabares.
 Duas igrejas, num saudoso largo,Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:
 Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,
 Assim que pela História eu me aventuro e alargo.
 Na parte que abateu no terremoto,Muram-me as construções rectas, iguais, crescidas;
 Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas,
 E os sinos dum tanger monástico e devoto.
 Mas, num recinto público e vulgar,Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras,
 Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras,
 Um épico doutrora ascende, num pilar!
 E eu sonho o Cólera, imagino a Febre,~Nesta acumulação de corpos enfezados;
 Sombrios e espectrais recolhem os soldados;
 Inflama-se um palácio em face de um casebre.
 Partem patrulhas de cavalariaDos arcos dos quartéis que foram já conventos:
 Idade Média! A pé, outras, a passos lentos,
 Derramam-se por toda a capital, que esfria.
 Triste cidade! Eu temo que me avivesUma paixão defunta! Aos lampiões distantes,
 Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes,
 Curvadas a sorrir às montras dos ourives.
 E mais: as costureiras, as floristasDescem dos magasins, causam-me
 sobressaltos;
 Custa-lhes a elevar os seus pescoços altos
 E muitas delas são comparsas ou coristas.
 E eu, de luneta de uma lente só,Eu acho sempre assunto a quadros revoltados:
 Entro na brasserie; às mesas de emigrados,
 Ao riso e à crua luz joga-se o dominó.
 Obra Completa de Cesário Verde, 4ª edição,
organizada, prefaciada e anotada por Joel Serrão, Lisboa, Livros Horizonte, 1983. |     |   
  
  
    
      | «Noite Fechada » é o segundo momento do mesmo itinerário  iniciado
em «Ave Maria». O caminhante percorre a cidade de noite observando os
movimentos, as luzes e as sombras. As sensações  realçadas  no
primeiro poema são agora descritas de uma forma ainda mais intensa: o narrador
compara a cidade nocturna com uma  prisão que, de facto, existia - o
        Aljube. A cidade é vista como um espaço fechado, repressivo e, finalmente, perverso. Assim,
os sentimentos  de melancolia e sofrimento, no início do percurso,
transformam-se gradualmente: o narrador passa a sentir uma dor mórbida e uma
profunda depressão. |    
  
  
    
      | À DESCOBERTA
 O Progresso Social em Portugal nofinal do século XIX Consulte o
      seguinte endereço  e descubra quais foram os principais
      acontecimentos históricos e políticos durante a vida de Cesário Verde
      (1855-1876)http://ribatejo.com/hp/cronologia/crono_1851_1875.html
 
 Cesário Verde Consulte o seguinte endereço e descubra : |    |