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Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que eu sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu"?
Deus sabe, porque o escreveu.
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Numa carta a Adolfo Casais Monteiro, Fernando Pessoa
explica a
tendência para a criação dos heterónimos.
Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo
fictício de me cercar de amigos e conhecido que nunca existiram. (Não sei, bem
entendido, se realmente não existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas
coisas como em todas, não devemos ser dogmáticos.) Desde que me conheço com
aquilo a que eu chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figuras,
movimentos, carácter e história, várias figuras irreais que eram para mim
visíveis e minhas como as coisas daquilo a que chamamos, porventura
abusivamente, a vida real. Esta tendência, que me vem desde que me lembro de
ser eu, tem-me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me
encanta, mas não alterando nunca a sua maneira de encantar. (...) Esta
tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com outra
gente, nunca me saiu da imaginação. (...)
Excerto de uma carta a Adolfo Casais Monteiro, 13 de Janeiro 1935
Sobre Fernando Pessoa:
http://www.instituto-camoes.pt/bases/literatura/pessoalit.htm
Curiosidades:
Almada Negreiros pintou Fernando Pessoa: http://www.ci.uc.pt/artes/6spp/imagens/almada_1pessoa1.jpg
Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis desenhados na parede da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa: http://www.fl.ul.pt/arq.htm
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