«Eu não tenho filosofia: tenho sentidos»
Alberto Caeiro

 

XXXVI - Há Poetas que são Artistas

E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas! ...

Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, corno quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está! ...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.

Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira,
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem sei eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao solo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos
E não termos sonhos no nosso sono.

 in O Guardador de Rebanhos - poema xxxvi

 

 


Fernando Pessoa    Álvaro de Campos    Ricardo Reis    Alberto Caeiro

 

 

Continuação da Carta a Adolfo Casais Monteiro

(...) Ano e meio, ou dois anos, depois lembrei-me um dia de fazer uma partida ao *Sá-Carneiro  - de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já não me lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira - foi em Março de 1914 - acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpem-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive.(...)

Excerto de uma carta a Adolfo Casais Monteiro, 13 de Janeiro 1935


Sobre o poema:
Este poema mostra a concepção da arte poética e a filosofia de vida de Alberto Caeiro.  O sujeito quer atingir a calma e a paz sem ter de pensar muito sobre a vida. Por isso, é feliz por «sentir»  e «ver» a natureza tal como ela é. Podemos apontar algumas linhas de análise que ajudam a pensar sobre a poética de  Alberto Caeiro:


Linhas de abordagem:

A Arte é simples e natural O poeta deve sentir e depois escrever 
A identificação entre Arte e Natureza A Natureza como força superior

Sítio dos poemas dos heterónimos de  Fernando Pessoa:
http://viriato.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/pessoa.html

 

© Instituto Camões, 2001