PASTELARIA

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os          olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com        fome
porque assim como assim ainda há muita gente       que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de       muita
gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir
       de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Nobilíssima Visão (1945-1946), in burlescas, teóricas e sentimentais (1972)

 

Mário Cesariny de Vasconcelos (n. 1923)

Poeta e pintor. Divulgou e incentivou até aos nossos dias as concepções artísticas do movimento surrealista em Portugal. A poesia de Mário Cesariny tem sido estudada e analisada por muitos universitários em Portugal e no estrangeiro que se interessam pela literatura portuguesa.
Num artigo intitulado A ESTÉTICA SURREALISTA são apontadas as principais marcas de um poema de Mário Cesariny:
http://www.farol.nortenet.pt/farol11/f11pag12.htm

Obras principais: Corpo Visível, 1950; Louvou e Simplificação de Álvaro de Campos, 1953; Manual de Prestidigitação, 1956; Pena Capital, 1957; Nobilíssima Visão, 1959; Planisfério e outros poemas, 1961; Burlescas, Teóricas e Sentimentais, 1972.


Mário Cesariny, tal como outros poetas surrealistas,  foi ao encontro de uma exploração da linguagem que serviu igualmente para abrir caminho em direcção a uma poesia experimental:

A CABEÇA DE ARCAIFAZ (SISMO)

LOCALIZAÇÃO FONÉTICA:

    A CABEÇA: ONDE CABE A EÇA. POPULISMO: CABE EÇA  AGORA!
    DE ARCAIFAZ (SISMO): O AR (QUE) CAI, FAZ (PRODUZ) SISMO. FAZ SISMO: O AR CAI. CAÍDO O AR, FICA CAIFAZCISMO, O QUE DÁ CAI, DÁ SISMO, E RETIRA O AR QUE CAIU. POR ISSO SE DIZ QUE NÃO HÁ AR ONDE HÁ ALGUÉM QUE FAZ SISMO, PODENDO NO ENTANTO SUFIXISMAR-SE O PREFIXO, O QUE DARÁ A CAIFAZCIMAÇÃO, SUBLIMAÇÃO DA CISMA QUE CAIFAZ.

                                               Alguns Mitos Maiores, Alguns Mitos Menores Propostos à Circulação pelo Autor (1947-1954), in burlescas, teóricas e sentimentais (1972).


Outros Poemas de Mário CESARINY:
Raio de Luz:
http://www.secrel.com.br/jpoesia/mcesariny04.html

Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos:
http://www.geocities.com/mendesrl/Cesariny.html


Consultar também:
http://www.instituto-camoes.pt/cvc/contomes/07/sabia.html

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