A actualidade de Luís de Camões


Jacinto do Prado Coelho escreveu sobre a actualidade da poesia camoniana e definiu o poeta do seguinte modo:

«Homem-síntese, expressão dum Renascimento ainda imbuído da tradição medieval, Camões inaugurou, ao nível da linguagem poética, o classicismo, quer dizer, a época da maturidade, do equilíbrio, da limpidez, e esse classicismo tem, na sua escrita, a deslumbrante frescura da modernidade: está mais perto de nós que o pré-romantismo amaneirado das «Folhas Caídas».

in «O Jornal» de 15 de Junho de 1979

Desde o final do século XVI até aos nossos dias a sua poesia tem vindo a ser reconhecida e homenageada por outros poetas e artistas.
Logo após a morte, o Poeta é conhecido por ser «o príncipe dos poetas do nosso tempo» e, tanto em Espanha como em Portugal, os seus versos são citados, glosados e imitados. São relativamente numerosas as edições de «Os Lusíadas» que então se publicam em Portugal. Os poetas épicos aproveitam-lhe o modelo, os líricos proclamam-no o «Cisne Lusitano», a «Fénis das Espanhas», o «Homero Lusitano», e glosam-no.

No século XVIII, os maiores poetas elogiam-no e consideram-no acima de todos os outros poetas. É o caso do poeta Manuel Maria de Barbosa du Bocage, que termina um dos seus sonetos mais conhecidos considerando Luís de Camões o seu  poeta-modelo:

Modelo meu tu és, mas...ó tristeza!
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.

No século XIX, Garrett inicia o Romantismo com o poema intitulado «Camões».
O pintor  Sequeira retrata «A morte de Camões» num quadro que acabará por desaparecer de uma exposição no «Salon», causando grande perturbação no meio artístico parisiense. No final do século, a geração anti-romântica  prepara o ambiente da consagração nacional.

Texto adaptado do «Dicionário da Literatura», direcção de Jacinto do Prado Coelho.

E Hoje?
Muitos dos maiores poetas contemporâneos recriam os temas dos poemas líricos, fazem alusões aos versos e citam o nome de Luís de Camões como referência da identidade portuguesa.

Para conhecer mais poetas contemporâneos que se inspiraram na poesia camoniana:
http://www.instituto-camoes.pt/escritores
/camoes/memcamonians.htm

Camões

Falam de
Camões como falaram os
que desconheciam a poesia
Produzem cristais baços do passado
usam Camões como um nome perdido
a poesia não pode ser motivo
de júbilo aos que a
traem
Camões não é um túmulo perdido
num passado senil: Que não o cite
em vão quem desconhece
que cita um nome vivo.

Gastão Cruz


Gastão Cruz  

Nasceu em Faro em 1941. Licenciou-se em Filologia Germânica e foi Leitor de Português no King's College, em Londres.

Em 1961 participou no grupo que editou a colectânea «Poesia 61», do qual é um dos principais críticos. Poeta inovador, está atento aos valores da intertextualidade no processo da criação poética.

Dia da Raça

Não vejo medalhas,
nem marchas militares.
Vejo mil soldados
na rua a passear...

Vejo mil famílias
que passam, comendo
coisas e tremoços
- Como ia dizendo

tudo se passou
na Praça do Império
Mas quanto à-vontade
nos rostos serenos!

E como não sou
presente ou pretérito
regressei a casa
nem que sim ou pós...

Não vejam na frase
nenhuma malícia.
Eu sou duma raça
futura na História.

E proclamo, enquanto
bebo vinho verde:
Avante, meu povo!
Canta a «Portuguesa»!

Agora repouso,
relembrando os dias.
Releio Camões,
repenso os Lusíadas.

Ruy Cinatti


Ruy Cinatti

Nasceu em Londres em 1915 e faleceu em Lisboa (1986). Licenciado em Agronomia.
Entre 1946 a 1967 viajou regularmente pelo Oriente vivendo alguns anos em Timor onde desempenhou o cargo de director de Serviços de Agricultura. A maior parte da sua obra poética é dedicada a este país. Publicou, entre outros, os seguintes livros: «O livro do Nómada Meu Amigo» (1958), «56 Poemas» (1981), «Manhã Imensa» (1984).

 

Glosa de Camões

Até que no tempo cesse anónimo
O ténue sopro que ao tempo dou.
Até que o tempo oblitere o vestígio
leve que sobre o esquecimento paira

e mais não é que fino e branco
pó na brancura calcinada,
até que o tempo olvide a voz
que nele teimosa tece e enreda

a frágil teia e triturando o som
em eco fruste me converta
e insatisfeito ainda reduza o eco
a muda vibração silente,
da cinza escura tornarei por quem
de viver triste sou contente.

Rui Knopfli


Rui Knopfli
Fotografia de João Francisco Vilhena/Revista LER

Nasceu em Moçambique, em Inhambane, em 1932 e viveu neste país até 1975, ano em que se fixou em Londres. Participou em diversas actividades culturais e colaborou em vários jornais. A sua poesia revela uma atenção particular à tradição poética cultivada em Portugal. Publicou, entre outros, os seguintes livros: «O País dos Outros» (1959); «Mangas Verdes com Sal» (1969); «A Ilha de Próspero» (1972), «O Escriba Acocorado» (1978).

 

© Instituto Camões, 2001