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Os
espaços míticos da infância são uma fuga à realidade adversa.
Casa branca
Casa
branca em frente ao mar enorme,
Com o teu jardim de areia e flocos marinhas
E o teu silêncio intacto em que dorme
O milagre das coisas que eram minhas.
A
ti eu voltarei após o incerto
Calor de tantos gestos recebidos
Passados os tumultos e o deserto
Beijados os fantasmas, percorridos
Os murmúrios da terra indefinida.
Em
ti renascerei num mundo meu
E a redenção virá nas tuas linhas
Onde nenhuma coisa se perdeu
Do milagre das coisas que eram minhas.
in
Poesia I (1944)
O Jardim e a casa
Não
se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.
in
Poesia I (1944)
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Sophia
de Mello Breyner Andresen
É
uma das escritoras contemporâneas com maior projecção nacional.
Nasceu no Porto em 6 de Novembro de 1919, numa família aristocrática
de ascendência dinamarquesa. Viveu no Porto até aos dez anos e,
posteriormente, em Lisboa. Colaborou em revistas literárias: «Cadernos de
Poesia» (1940-42), «Árvore» (1951-1958) e «Távola Redonda»
(1950-1954).
A sua obra
abrange a poesia, o conto, sobretudo infantil, o ensaio e a tradução. No
seu mundo poético, o mar, a terra, a casa, a infância e a família
ocupam um espaço privilegiado. Teve um papel importante de intervenção social e cívica durante o período antes
do 25 de Abril.
Posteriormente, foi deputada à Assembleia Constituinte pelo Partido
Socialista. Contudo, é como poeta que se destaca: a sua vasta obra é
considerada excepcional e, por isso, nunca é demais lembrar a sua poesia.
Para obter mais informações, poderá consultar o dossier sobre a autora
onde se destacam os seguintes aspectos sobre a personalidade e a obra:
ensaios
sobre a obra
uma biografia completa
as notícias da Imprensa
ver http://www.instituto-camoes.pt/escritores/sophia.htm
Sophia
de Mello Breyner descreve a sua
Arte Poética num texto lido em 11 de Julho de 1964, no almoço de
homenagem promovido pela Sociedade Portuguesa de escritores, por ocasião
da entrega do grande Prémio de Poesia, atribuído a Livro
Sexto.
«A coisa mais antiga de que me lembro é dum quarto em frente do mar
dentro do qual estava, poisada em cima de uma mesa, uma maçã enorme e
vermelha. Do brilho do mar e do vermelho da maçã erguia-se uma
felicidade irrecusável, nua e inteira. Não era nada de fantástico, não
era nada de imaginário: era a própria presença do real que eu
descobria. Mais tarde a obra de outros
artistas veio confirmar a objectividade do meu próprio olhar. Em
Homero reconheci essa felicidade nua e inteira, esse esplendor da presença
das coisas. E também a reconheci intensa, atenta e acesa na pintura de
Amadeo de Souza-Cardoso. Dizer que a obra de arte faz parte da cultura é
uma coisa um pouco escolar e artificial. A obra de arte faz parte do real
e é destino, realização, salvação e vida.
Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi
sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro
do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do amor e da
luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta. Quem procura uma
relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente
levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação
justa com o homem. Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é
logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. Aquele que vê o
fenómeno quer ver todo o fenómeno. É apenas uma questão de atenção,
de sequência e de rigor (...)».
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