A Grécia e os mitos constituem elementos poéticos essenciais  na arte de Sophia de Mello Breyner

O Rei de Ítaca
A civilização em que estamos é tão errada que
nela o pensamento se desligou da mão
Ulisses rei de Ítaca carpinteirou seu barco
E gabava-se também de saber conduzir
Num campo a direito o sulco do arado.

in O Nome das Coisas (1977)

Eurydice
Este é o traço em redor do teu corpo amado e perdido

Para que cercada sejas minha

Este é o canto do amor em que te falo
Para que escutando sejas minha

Este é o poema – engano do teu rosto
No qual busco a abolição da morte.

 in No tempo Dividido (1954)

Sophia de Mello Breyner Andresen

É uma das escritoras contemporâneas com maior projecção nacional.
Nasceu no Porto em 6 de Novembro de 1919, numa família aristocrática de ascendência dinamarquesa. Viveu no Porto até aos dez anos e, posteriormente, em Lisboa. Colaborou em revistas literárias: «Cadernos de Poesia» (1940-42), «Árvore» (1951-1958) e «Távola Redonda» (1950-1954).
A sua obra abrange a poesia, o conto, sobretudo infantil, o ensaio e a tradução. No seu mundo poético, o mar, a terra, a casa, a infância e a família ocupam um espaço privilegiado. Teve um papel importante de intervenção social e cívica durante o período antes do 25 de Abril. Posteriormente, foi deputada à Assembleia Constituinte pelo Partido Socialista. Contudo, é como poeta que se destaca: a sua vasta obra é considerada excepcional e, por isso, nunca é demais lembrar a sua poesia.
Para obter mais informações, poderá consultar o dossier sobre a autora onde se destacam os seguintes aspectos sobre a personalidade e a obra:
  ensaios sobre a obra
  uma biografia completa
  as notícias da Imprensa
ver
http://www.instituto-camoes.pt/escritores/sophia.htm


Sophia de Mello Breyner descreve a sua  Arte Poética num texto lido em 11 de Julho de 1964, no almoço de homenagem promovido pela Sociedade Portuguesa de escritores, por ocasião da entrega do grande Prémio de Poesia, atribuído a Livro Sexto.
«A coisa mais antiga de que me lembro é dum quarto em frente do mar dentro do qual estava, poisada em cima de uma mesa, uma maçã enorme e vermelha. Do brilho do mar e do vermelho da maçã erguia-se uma felicidade irrecusável, nua e inteira. Não era nada de fantástico, não era nada de imaginário: era a própria presença do real que eu descobria. Mais tarde a obra de outros  artistas veio confirmar a objectividade do meu próprio olhar. Em Homero reconheci essa felicidade nua e inteira, esse esplendor da presença das coisas. E também a reconheci intensa, atenta e acesa na pintura de Amadeo de Souza-Cardoso. Dizer que a obra de arte faz parte da cultura é uma coisa um pouco escolar e artificial. A obra de arte faz parte do real e é destino, realização, salvação e vida.
Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do amor e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem. Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. Aquele que vê o fenómeno quer ver todo o fenómeno. É apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor (...)».

© Instituto Camões, 2001