FALAVAM-ME DE AMOR

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,

menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.

Natália Correia
O Dilúvio e a Pomba 
Lisboa, Publicações D. Quixote, 1979


                                Natália Correia









Natália Correia nasceu a 13 de Setembro de 1923 na Ilha de São Miguel, nos Açores. Veio estudar para Lisboa ainda criança e cedo iniciou a sua actividade literária. Poetisa, ficcionista, ensaísta, tradutora, dividiu a sua criatividade pelo teatro e pela investigação literária.

Empenhada politicamente, viu vários dos seus livros serem apreendidos pela censura, chegando a ser condenada a três anos de prisão com pena suspensa, acusada de abuso de liberdade de imprensa.

Morreu em Lisboa a 16 de Março de 1993.

A sua vasta obra poética encontra-se reunida em Poesia Completa: O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, 1993. Natália Correia é ainda autora de obras como A Ilha de Circe (ficção), 1983; Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente (teatro), 1981; Uma Estátua para Herodes (ensaio), 1974.

Ouça alguns poemas seleccionados de Natália Correia-Poesia Completa e leia Soneto de Abril, que demonstra o empenhamento político da poetisa.

Pode ainda ler uma recensão sobre o Auto da Feiticeira Cotovia.

© Instituto Camões, 2001