NATAL À BEIRA-RIO


É o braço do abeto a bater na vidraça?

E o ponteiro pequeno a caminho da meta!

Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,

A trazer-me da água a infância ressurrecta.

Da casa onde nasci via-se perto o rio.

Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!

E o Menino nascia a bordo de um navio

Que ficava, no cais, à noite iluminado...

Ó noite de Natal, que travo a maresia!

Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.

E quanto mais na terra a terra me envolvia

E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.

Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me

À beira desse cais onde Jesus nascia...

Serei dos que afinal, errando em terra firme,

Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

 

  

David Mourão-Ferreira, Obra Poética 1948-1988

Lisboa, Editorial Presença, 1988


                                          DAVID MOURÃO-FERREIRA










Nasceu em Lisboa em 1927 e faleceu na mesma cidade em 1996.

David Mourão-Ferreira foi poeta, dramaturgo, ficcionista, ensaísta, crítico literário e tradutor.

Formado em Filologia Românica, foi director do Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, director da Revista Colóquio/Letras e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

Notável pela beleza, pelo rigor e pelo didactismo dos seus ensaios, salientamos entre a sua obra Vinte Poetas Contemporâneos (1960), Hospital das Letras (1966) e O Essencial sobre Vitorino Nemésio (1987). Numa linguagem fortemente marcada por Eros, da sua vasta obra destacamos alguns títulos. Na poesia: A Secreta Viagem (1950), Entre a Sombra e o Corpo (1980), Jogo de Espelhos (1993), Música de Cama (1994) e Obra Poética 1948-1988. Na ficção: os romances Tempestade de Verão (1954) e Um Amor Feliz (1986). No teatro, Isolda (1948) e O Irmão (1965).

David Mourão-Fereira traduziu, ainda, Imagens da Poesia Europeia (1972) e escreveu as letras de alguns fados cantadas por Amália Rodrigues.

Aquando da sua morte, foi alvo de homenagens, de que destacamos a dos alunos na revista Fazedores de Letras e a da revista Colóquio Letras.

 

Pode ler uma recensão crítica ao livro Entre a Sombra e o Corpo e ouvir alguns poemas ditos por António Cardoso Pinto.

Também pode, simplesmente, ler Paraíso ou outros poemas, retirados de diferentes obras.

© Instituto Camões, 2001