A
abstracção não precisa de mãe nem
pai
nem
tão pouco de tão tolo infante
mas
o natal de minha mãe é ainda o meu
natal
com
restos de Beira Alta
ano
após ano via surgir figura nova nesse
presépio
de vaca burro banda de música
ribeiro
com patos farrapos de algodão muito
musgo
percorrido por ovelhas e pastores
multidão
de gente judaizante estremenha pela
mão
de meu pai descendo de montes contando
moedas
azenhas movendo água levada pela
estrela
de
Belém
um
galo bate as asas um frade está de
acordo
com
a nossa circuncisão galinhas debicam
milho
de
mistura com um porco a que minha avó
juntava
sempre
um gato para dar sorte era preto
assim
íamos todos naquela figuração animada
até
ao dia de Reis aí estão
um
de joelhos outro em pé
e
o rei preto vinha sentado no
camelo.
Era o mais bonito.
depois
eram filhoses o acordar de prenda no
sapato
tudo tão real como o abrir das lojas no
dia
de
feira
e
eu ia ao Sanguinhal visitar a minha
prima que
tinha
um cavalo debaixo do quarto
subindo
de vales descendo de montes
acompanhando
a banda do carvalhal com ferrinhos
e
roucas trompas o meu Natal é ainda o
Natal de
minha
mãe com uns restos de canela e Beira
Alta.
João
Miguel Fernandes Jorge, Actus
Tragicus
Lisboa,
Editorial Presença, 1979
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