GATO

 

Que fazes por aqui, ó gato?

Que ambiguidade vens explorar?

Senhor de ti, avanças, cauto,

meio agastado e sempre a disfarçar

o que afinal não tens e eu te empresto,

ó gato, pesadelo lento e lesto,

fofo no pelo, frio no olhar!

 

De que obscura força és a morada?

Qual o crime de que foste testemunha?

Que deus te deu a repentina unha

que rubrica esta mão, aquela cara?

Gato, cúmplice de um medo

ainda sem palavras, sem enredos,

quem somos nós, teus donos ou teus servos?

 

 

Alexandre O'Neill
Poesias Completas. 1951-1986
Lisboa, INCM, 1990 (3ª ed.)


 ALEXANDRE O’NEILL








Alexandre O’Neill nasceu em 1924, em Lisboa, cidade onde viveu e onde viria a falecer em 1986.

Participou na introdução do surrealismo em Portugal (em 1945 conhece Mário Cesariny e é um dos fundadores do Grupo Surrealista de Lisboa, em 1947). Embora esta referência seja fundamental para a compreensão de uma parte da sua poesia, O’Neill demarca-se deste movimento a partir da publicação de Tempo de Fantasmas, em 1951, o seu primeiro livro de poemas.

Entre outras actividades, O’Neill trabalhou durante um largo período da sua vida em publicidade. Poeta inconformista, na sua escrita mistura-se a ironia, o humor e a nota assumidamente lírica, a escapar para o irreal e para o sonho.

 

 

Para conhecer melhor Alexandre O’Neill.

 

O poeta numa caricatura de Vasco.

 

Descobrir alguns poemas.

© Instituto Camões, 2002