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CÃO
Cão
passageiro, cão estrito,
cão
rasteiro cor de luva amarela,
apara-lápis,
fraldiqueiro,
cão
liquefeito, cão estafado,
cão
de gravata pendente,
cão
de orelhas engomadas,
de
remexido rabo ausente,
cão
ululante, cão coruscante,
cão
magro, tétrico, maldito,
a
desfazer-se num ganido,
a
refazer-se num latido,
cão
disparado: cão aqui,
cão
além, e sempre cão.
Cão
marrado, preso a um fio de cheiro,
cão
a esburgar o osso
essencial
do dia a dia,
cão
estouvado de alegria,
cão
formal da poesia,
cão-soneto
de ão-ão bem martelado,
cão
moído de pancada
e
condoído do dono,
cão:
esfera do sono,
cão
de pura invenção, cão pré-fabricado,
cão-espelho,
cão-cinzeiro, cão-botija,
cão
de olhos que afligem,
cão-problema...
Sai
depressa, ó cão, deste poema!
Alexandre
O'Neill
Poesias Completas. 1951-1986
Lisboa, INCM, 1990 (3ª ed.)
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