não voltarás

olhando as ruas

na vidraça nua os zimbros

da terra ocre

moras secreta nestes barros

tua flauta canta nas montanhas

pedras e trepadeiras se enroscam

perto do teu rosto

e são de

água

sabes plantar o odor

dos frutos

tangerina limão

pássaras orvalho

a nervura das manhãs

e o lume dos poemas

quente metalurgia

das palavras

como ontem (tu eras morta)

prolonga-te nestas mãos

no maio das rotas

de abril

tecidas

José Manuel Mendes

Rosto Descontínuo (1963-1986)

Lisboa, Editorial Presença, 1992



JOSÉ MANUEL MENDES

Nasceu em 1948, em Luanda. Fez os estudos secundários em Braga, onde vive desde a adolescência, e licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Participou em vários movimentos associativos e políticos de contestação ao regime salazarista. Advogado, foi professor do ensino secundário (entre 1968 e 1980) e deputado à Assembleia da República (entre 1980 e 1991). Actualmente é docente de Comunicação Social na Universidade do Minho.
José Manuel Mendes publicou em 1969 o primeiro livro de poemas, Salgema. O texto acima reproduzido pertence ao livro Pedra a Pedra, publicado em 1977.
José Manuel Mendes cultiva também o ensaio, a ficção e a crónica. É presidente da Associação Portuguesa de Escritores e director da revista O Escritor, da mesma associação.

Algumas obras:

Poesia:

Salgema (1969)
A Esperança Agredida (1973)
Pedra a Pedra (1977)
Rosto Descontínuo (1992) - antologia poética
Presságios do Sul (1993)
O Rio Apagado (1997)

Ensaio, crítica e crónica:

Por uma Literatura de Combate (1975)
Os Relógios e o Vento (1995)

Ficção:

Ombro, Arma! (1978) - romance
O Despir da Névoa (1984) - romance
O Homem do Corvo (1988) - contos


José Manuel Mendes cantado pelo grupo «Presença de Coimbra».


© Instituto Camões, 2002