fanny

fanny, a grande

amiga de minha mãe,

ossuda, esgalgada,

de cabelo escuro e curto,

e filha de uma inglesa, 

tinha um sentido prático

extraordinário e era

muito emancipada, para

os costumes da foz

daquele tempo. 

uma vez, estando

sozinha no cinema, sentiu

a mão do homem a

seu lado deslizar-lhe

pela coxa. prestou-se a isso e 

deixou-a estar assim,

com toda a placidez. mas abriu

discretamente a carteira de pelica,

tirou a tesourinha das unhas

e quando a mão no escuro

se imobilizou mais tépida,

apunhalou-a num gesto

seco, enérgico, cirúrgico.

o homem deu um salto

por sobre os assentos e

fugiu num súbito

relincho da

mão furada.

fanny foi sempre

de um grande despacho,

na sua solidão muito

ocupada num escritório. um dia

atirou-se da janela

do quinto andar

e pronto.

Vasco Graça Moura,
Poemas com Pessoas (1997)
in Poesia 1997/2000,
Lisboa,
Quetzal, 2000.


VASCO GRAÇA MOURA

Nasceu em 1942, na Foz do Douro, no Porto. Formado em Direito na Universidade de Lisboa, exerceu vários cargos públicos: foi Secretário de Estado de dois Governos Provisórios (1975) e desempenhou funções directivas na RTP (1978), na Imprensa Nacional - Casa da Moeda (1979-89) e na Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (1989-95). A partir de 1996, dirigiu o Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura da Fundação Calouste Gulbenkian. Em 1999, foi eleito deputado ao Parlamento Europeu.

A literatura, a investigação e a política são áreas privilegiadas da sua actividade.

Publicou o seu primeiro livro em 1963. É autor de uma vasta obra, com mais de sessenta títulos publicados nos domínios da poesia, do ensaio, do romance e do teatro. Dedica-se também à tradução (Dante, Shakespeare e Rilke, entre outros autores) e é autor de duas peças de teatro. Foi distinguido com vários prémios, entre os quais o Prémio Pessoa (1995), o Prémio de Poesia do PEN Clube (1997) e o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores. Em 1997 foi-lhe atribuída a medalha de ouro de Florença pelas suas traduções de Dante.

Alguns destaques na obra de Vasco Graça Moura:

Poesia:

Modo Mudando (1963)
O Mês de Dezembro e Outros Poemas (1976)
A Sombra das Figuras (1985)
Sonetos Familiares (1994)
Uma Carta no Inverno (1997)
Testamento de VGM (2001)
Antologia dos Sessenta Anos (2002)

Ensaio:

Luís de Camões: Alguns Desafios (1980)
Camões e a Divina Proporção (1985)
Sobre Camões, Gândavo e Outras Personagens (2000)

Romance:

Quatro Últimas Canções (1987)
A Morte de Ninguém (1998)
Meu Amor, Era de Noite (2001)

Diário e Crónica:

Circunstâncias Vividas (1995)
Contra Bernardo Soares e Outras Observações (1999)

Para saber mais sobre Vasco Graça Moura.


© Instituto Camões, 2002