Bem quisera escrevê-la com palavras sabidas, as mesmas, triviais, embora estremecessem a um toque de paixão. Perfurando os obscuros canais de argila e sombra, ela iria contando que vou bem, e amo sempre e amo cada vez mais a essa minha maneira torcida e reticente, e espero uma resposta, mas que não tarde; e peço um objeto minúsculo só para dar prazer a quem pode ofertá-lo; diria ela do tempo que faz do nosso lado as chuvas já secaram, as crianças estudam, uma última invenção (inda não é perfeita) faz ler nos corações, mas todos esperamos rever-nos bem depressa. Muito depressa, não. Vai-se tornando tempo estranhamente longo à medida que encurta. O que ontem disparava, desbordado alazão, hoje se paralisa em esfinge de mármore, e até o sono, o sono que era grato e era absurdo é um dormir acordado numa planície grave. Rápido é o sonho, apenas, que se vai, de mandar notícias amorosas quando não há amor a dar ou receber; quando só há lembrança ainda menos, pó, menos ainda, nada, nada de nada em tudo, em mim mais do que em tudo, e não vale acordar quem acaso repousa na colina sem árvores. Contudo, esta é uma carta. |
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«Acho que a literatura, tal como as artes plásticas e a música, é uma das grandes consolações da vida, e um dos modos de elevação do ser humano sobre a precariedade da sua condição.» CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Escritor brasileiro, nasceu em 1902, em Itabira, no Estado de Minas Gerais. Estudou na cidade de Belo Horizonte e no Colégio Anchieta de Nova Friburgo (Estado do Rio de Janeiro), de onde foi expulso por «insubordinação mental». Em 1921, começou a colaborar com o jornal Diário de Minas, que aglutinava os adeptos locais do incipiente movimento modernista mineiro. Em 1925, diplomou-se em Farmácia na cidade de Ouro Preto, profissão pela qual demonstrou pouco interesse. Ingressou no serviço público e, em 1934, transferiu-se para o Rio de Janeiro. A partir de 1945, passou a trabalhar no Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional até se aposentar, em 1962. Desde 1954 colaborou como cronista no Correio da Manhã e, a partir do início de 1969, no Jornal do Brasil. Faleceu em 1987, deixando atrás de si uma extensa obra de poesia e prosa. Foi um dos mais influentes poetas brasileiros do século XX e a sua obra encontra-se traduzida em várias línguas. Alguns destaques na obra de Drummond de Andrade: Alguma Poesia (1930) Sentimento do Mundo (1940) A Rosa do Povo (1945) Contos de Aprendiz (1951) Lição de Coisas (1962) Caminhos de João Brandão (1970) De Notícias e Não Notícias Faz-se a Crônica (1974) A Paixão Medida (1980) O Amor Natural (1981) Farwell (1996) Para conhecer melhor o poeta. Escutar alguns poemas de Drummond de Andrade. |
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