CARTA DA INFÂNCIA

 

 

Amigo Luar:

 

Estou fechado no quarto escuro

e tenho chorado muito.

Quando choro lá fora

ainda posso ver as lágrimas caírem na palma das

minhas mãos e brincar com elas ao orvalho

nas flores pela manhã.

Mas aqui é tudo por demais escuro

e eu nem sequer tenho duas estrelas nos meus olhos.

Lembro-me das noites em que me fazem deitar tão

cedo e te oiço bater, chamar e bater, na fresta

da minha janela.

Pelo muito que te tenho perdido enquanto durmo

vem agora,

no bico dos pés

para que eles te não sintam lá dentro,

brincar comigo aos presos no segredo

quando se abre a porta de ferro e a luz diz:

bons dias, amigo.

Carlos de Oliveira

Trabalho Poético

Lisboa, Sá da Costa, 1998 (3ª ed.)


CARLOS DE OLIVEIRA

 

Nasceu em 1921, em Belém do Pará, no Brasil. Filho de pais portugueses, acompanhou-os no regresso a Portugal, com dois anos de idade. A família fixou-se, então, na Gândara, no concelho de Cantanhede (centro do país), na pequena aldeia de Febres, onde o pai do escritor se instalou como médico. Esta região marcaria profundamente a infância e a adolescência de Carlos de Oliveira.

Em Coimbra, Carlos de Oliveira fez os estudos liceais e universitários. Formou-se em Ciências Histórico-Filosóficas, em 1947. O ambiente intelectual coimbrão é então marcado pela afirmação do Neo-realismo, movimento a que Carlos de Oliveira esteve ligado (colaborou nas revistas «Altitude», «Seara Nova» e «Vértice») e no qual se filiam os seus primeiros livros de poesia e de ficção.

 

Alguns destaques na obra de Carlos de Oliveira:

 

Poesia:

 

Turismo (1942)

Mãe Pobre (1945)

Terra de Harmonia (1950)

Sobre o Lado Esquerdo (1968)

Entre Duas Memórias (1971)

Trabalho Poético (2 vol., 1977-1978)

 

Romance:

 

Casa na Duna (1943)

Uma Abelha na Chuva (1953)

Finisterra (1978)

 

Crónica:

 

O Aprendiz de Feiticeiro (1971)

 

 

Carlos de Oliveira na literatura portuguesa.

 

Sobre a poesia de Carlos de Oliveira.


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