e a atenção começa a florir, quando sucede a noite esplêndida e vasta. Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos se enchem de um brilho precioso e estremeces como um pensamento chegado. Quando, iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado pelo pressentir de um tempo distante, e na terra crescida os homens entoam a vindima eu não sei como dizer-te que cem ideias, dentro de mim, te procuram. Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros ao lado do espaço e o coração é uma semente inventada em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia, tu arrebatas os caminhos da minha solidão como se toda a casa ardesse pousada na noite. E então não sei o que dizer junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio. Quando as crianças acordam nas luas espantadas que às vezes se despenham no meio do tempo não sei como dizer-te que a pureza, dentro de mim, te procura. Durante a primavera inteira aprendo os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto correr do espaço e penso que vou dizer algo cheio de razão, mas quando a sombra cai da curva sôfrega dos meus lábios, sinto que me faltam um girassol, uma pedra, uma ave qualquer coisa extraordinária. Porque não sei como dizer-te sem milagres que dentro de mim é o sol, o fruto, a criança, a água, o deus, o leite, a mãe, o amor, que te procuram. (excerto do poema «Tríptico», publicado em A Colher na Boca, 1961) |
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HERBERTO HELDER Nasceu no Funchal, na ilha da Madeira, em 1930, no seio de uma família de origem judaica. Em 1946, veio para Lisboa, onde terminou o liceu. Depois de uma rápida passagem pelo curso de Direito, em Coimbra, frequentou durante três anos a Faculdade de Letras de Lisboa. Em 1955, após um breve regresso à Madeira, encontramos Herberto Helder de novo em Lisboa, frequentando o Café Gelo, ao lado de Mário Cesariny, Luiz Pacheco, António José Forte, João Vieira e Hélder Macedo. Colabora em várias publicações literárias e publica o seu primeiro livro, O Amor em Visita, em 1958. Ao longo dos anos, Herberto Helder desempenhou várias profissões e viajou para vários países estrangeiros. Personagem discretíssima, foi distinguido em 1983 com o Prémio de Poesia do Pen Club Português, pelo livro A Colher na Boca. Em 1994, foi-lhe atribuído o Prémio Pessoa pelo conjunto da sua obra, distinção que recusou. Algumas obras do autor: Poesia O Amor em Visita (1958) A Colher na Boca (1961) Poemacto (1961) O Bebedor Nocturno (1968) Poesia Toda (várias actualizações desde 1981) A Cabeça entre as Mãos (1982) Última Ciência (1988) Do Mundo (1994) Ou o Poema Contínuo (2001) Ficção Os Passos em Volta (1963) Para saber mais sobre Herberto Helder. Ler outro poema. |
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