Coimbra

Descem do Outeiro as casas da cidade

Como rebanho de ovelhinhas brancas

Que viessem com sede até ao rio.

E, coleante cobra, vai subindo a encosta

Íngreme, a estrada, entre surribos verdes:

É lá o Vale do Inferno onde demora

A curva do caminho, e dá descanso

Múrmura fonte: e donde Coimbra – cidade

É habitável sonho de poetas.

E desço aonde? Aos laranjais das ínsuas,

Às margens dos salgueiros e dos choupos:

“Líricas de Camões” dão-me vigílias,

“Amantes rouxinóis” modulam sonho.

Olha: o Jardim, a Mata, e o par de namorados

Que deslaçam as mãos das verdes heras

Que cobrem os frondosos troncos seculares

Já quando te aproximas! Oh! noivas idades

Que procuram recantos entre as árvores

E as águas que murmuram! Pois os risos

Lavam e as lágrimas enxugam.

Rio acima, para o alto içando as velas,

Lá vêm da Foz as barcas dos serranos

Ajudando-as da margem com as sirgas:

E, num adeus que fica para sempre,

Que lindas, quando as leva o braço e o vento!

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Afonso Duarte

In Cancioneirinho de Coimbra

org. de Eugénio de Andrade

Porto, Edições Asa, 2002


AFONSO DUARTE

A 1 de Janeiro de 1884 nasceu, em Ereira (Montemor-o-Velho), Joaquim Afonso Fernandes Duarte.

Licenciado em Ciências Físico-Naturais, foi professor primário em Coimbra, tendo sido compulsivamente afastado das suas funções por se opor à ditadura de Salazar. Dedicou-se posteriormente à sua obra poética e à investigação pedagógica.

Poeta situado entre o saudosismo e o movimento da revista Presença, influenciou significativamente a geração do neo-realismo, nomeadamente Carlos de Oliveira. Foi colaborador das revistas A Águia, A Rajada (da qual foi fundador), Contemporânea, Presença, Seara Nova e Vértice.

Morreu em Coimbra a 5 de Março de 1958.

Algumas obras:

Cancioneiro das Pedras (1912)

Tragédia do Sol Posto (1914)

Os Sete Poemas Líricos (1929)

Ossadas (1947)

Obra Poética (compilação de poemas publicados) (1956)

Lápides e outros Poemas (1960)

Obras Completas (1974)


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