A Fonte dos Amores


Eis os sítios formosos, onde a triste

Nos dias d’ilusão viveu ditosa;

Eis a fonte serena, e os altos cedros

Que os segredos d’amor inda lhe guardam.

Oh! Quantas vezes, solitária fonte,

Após longo vagar por esses campos

Do plácido Mondego, nestas margens

A namorada Inês veio assentar-se,

E ausente de seu bem carpir saudosa,

Aos montes e às ervinhas ensinando

O nome que no peito escrito tinha!

E quantas, quantas vezes no silêncio

Desta grata soidão viste os amantes,

Esquecidos do mundo e a sós felizes,

Nos êxtases da terra os céus gozando!

Pobre, infeliz Inês! breves passaram

Os teus dias d’amor e de ventura.

Ao régio moço o moço renderas,

E o que em todos é lei, em ti foi crime.

Eis do bárbaro pai, do rei severo,

Se arma a dextra feroz, ei-lo que aos sítios

Onde habitava amor conduz a morte.

Distante do teu bem, ao desamparo,

Ai! não pudeste conjurar-lhe as iras.

Debalde aos pés d’Afonso lacrimosa

Pediste compaixão; debalde em ânsias

Abraçando teus filhinhos inocentes,

Os filhos de seu filho, a natureza

Invocaste e a piedade: a voz dos ímpios,

Dos vis algozes, te abafou as queixas,

E o cego rei te abandonou aos monstros.

Ei-los a ti correndo, ei-los que surdos

Aos ais, aos rogos que tremendo soltas,

No palpitante seio cristalino,

Que tanto amou, oh bárbaros! os ferros,

Os duros ferros com furor embebem.

Prostrada, agonizante, os doces filhos

Por derradeira vez unes ao peito,

E de teu Pedro murmurando o nome,

Aos inocentes abraçada expiras.

Inda, infeliz Inês, inda saudosos

Estes sítios que amavas te pranteiam.

As aves do arvoredo, os ecos, brisas,

Parecem murmurar a infanda história;

Teu sangue tinge as pedras, e esta fonte,

A fonte dos amores, dos teus amores,

Como que em som queixoso inda repete

Às margens, e aos rochedos comovidos,

Teu derradeiro, moribundo alento.


Soares de Passos

Poesias

Lisboa, Vega, 1983



SOARES DE PASSOS

A 27 de Novembro de 1826 nasceu, no Porto, António Augusto Soares de Passos.

Proveniente de uma família da pequena burguesia liberal, trabalhou na casa comercial de seu pai. Desde pequeno, tomou conhecimento dos escritores românticos franceses e ingleses. Formou-se em Direito em Coimbra, onde ajudou a fundar a revista O Novo Trovador, na qual colaborava habitualmente.

É autor da célebre balada «Noivado do Sepulcro», representativa do ultra-romantismo.

Publicou apenas uma obra, Poesias (1856), reeditada com novos poemas em 1858 e, posteriormente, já depois da sua morte, em 1908, com organização de Teófilo Braga.

Morreu no Porto, em Fevereiro de 1820, vítima de tuberculose.


Para saber mais sobre o poeta.


© Instituto Camões, 2003