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Entre nós e as palavras há metal fundente

entre nós e as palavras há hélices que andam

e podem dar-nos a morte      violar-nos     tirar

do mais fundo de nós o mais útil segredo

entre nós e as palavras há perfis ardentes

espaços cheios de gente de costas

altas flores venenosas      portas por abrir

e escadas e ponteiros e crianças sentadas

à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos

há palavras de vida há palavras de morte

há palavras imensas, que esperam por nós

e outras, frágeis, que deixaram de esperar

há palavras acesas como barcos

e há palavras homens, palavras que guardam

o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,

as mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras nocturnas palavras gemidos

palavras que nos sobem ilegíveis à boca

palavras diamantes palavras nunca escritas

palavras impossíveis de escrever

por não termos connosco cordas de violinos

nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar

e os braços dos amantes escrevem muito alto

muito além do azul onde oxidados morrem

palavras maternais só sombra só soluço

só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados

e entre nós e as palavras, o nosso dever falar


Mário Cesariny

Pena Capital

Lisboa, Assírio & Alvim, 1982


MÁRIO CESARINY

Pintor e poeta, Mário Cesariny de Vasconcelos nasceu em 1923.

Estudou na Academia de Amadores de Música e ingressou, no início dos anos quarenta, na Escola de Artes Decorativas António Arroio.

Depois de uma aproximação ao neo-realismo, afasta-se do movimento. Em 1947, escreve o poema Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos (só publicado em 1953) e realiza as suas primeiras experiências plásticas.

Embarca, então, na aventura surrealista, que se consumará nos anos seguintes. Viajando para Paris, conhece André Breton. Liga-se ao denominado «Grupo Surrealista de Lisboa», com o qual rompe depois em acesa (e prolongada) polémica, para fundar outro grupo, «Os Surrealistas» (também conhecido como «Grupo Surrealista Dissidente»).

Em 1949, mostra publicamente obras suas pela primeira vez, numa exposição colectiva organizada pelo grupo entretanto formado. Em 1950, publica o seu primeiro livro, Corpo Visível, e participa na segunda exposição colectiva de «Os Surrealistas».


Experiência intensa, o surrealismo marca em Cesariny o ponto de partida de um percurso artístico profundamente vivido ao longo da segunda metade do século XX, tanto na escrita como nas artes plásticas.
A ordem de publicação da obra de Cesariny (poesia, mas também tradução e outros géneros) raramente coincide com a da criação.

Alguns títulos:

Poesia

Corpo Visível (1950)

Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano (1952)

Manual de Prestidigitação (1956)

Pena Capital (1957)

Nobilíssima Visão (1959)

Planisfério e Outros Poemas (1961)

A Cidade Queimada (1965)

As Mãos na Água a Cabeça no Mar (1972)

Ensaio e antologia

Antologia Surrealista do Cadáver Esquisito (1961)

Surrealismo, Abjeccionismo (1963)

A Intervenção Surrealista (1966)

Contribuição ao Registo de Nascimento, Existência e Extinção do Grupo Surrealista de Lisboa (1974)

Textos de Afirmação e de Combate do Movimento Surrealista Mundial (1977)

Primavera Autónoma das Estradas (1980)

Vieira da Silva, Arpad Szenes ou O Castelo Surrealista (1984)



Para conhecer melhor M. Cesariny.

Ler alguns poemas.


© Instituto Camões, 2003