Discurso ao príncipe de Epaminondas, mancebo de grande futuro Despe-te de verdades das grandes primeiro que das pequenas das tuas antes que de quaisquer outras abre uma cova e enterra-as a teu lado primeiro as que te impuseram eras ainda imbele e não possuías mácula senão a de um nome estranho depois as que crescendo penosamente vestiste a verdade do pão a verdade das lágrimas pois não és flor nem luto nem acalanto nem estrela depois as que ganhaste com o teu sémen onde a manhã ergue um espelho vazio e uma criança chora entre nuvens e abismos depois as que hão-de pôr em cima do teu retrato quando lhes forneceres a grande recordação que todos esperam tanto porque a esperam de ti Nada depois, só tu e o teu silêncio e veias de coral rasgando-nos os pulsos Então, meu senhor, poderemos passar pela planície nua o teu corpo com nuvens pelos ombros as minhas mãos cheias de barbas brancas Aí não haverá demora nem abrigo nem chegada mas um quadrado de fogo sobre as nossas cabeças e uma estrada de pedra até ao fim das luzes e um silêncio de morte à nossa passagem
Mário Cesariny Manual de Prestidigitação Lisboa, Assírio & Alvim, 1981 |
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Fernando J. B. Martinho escreveu sobre este poema: «A fala dirigida ao príncipe de Epaminondas faz parte de um livro intitulado Manual de Prestidigitação, que Cesariny publicou pela primeira vez em 1956. O livro é todo ele, com as suas cenas, os seus exercícios, os seus camarins, uma homenagem ao teatro, e a permanente lembrança de que a poesia é um arte de passes e passos mágicos, uma arte da prestidigitação, não importa se carecida ou não de manual. Só espanta que tenha levado tanto tempo que alguém se lembrasse de fazer a ligação, a correspondência. Outra coisa não pedia uma poesia que, de há muito, se nos oferecia como ritual, como espectáculo, como convite à iniciação na ars magna. Então não foi Cesariny que, um dia, celebrou Artaud e que, por via dele, nos prometeu o «acordar» para uma outra realidade, para lá do real que temos, susceptível ou não de reabilitação? E não ele também que saiu a dar-nos e aos actores as boas-vindas no castelo brumoso de um outro príncipe, expondo-nos, sem piedade, ao “metal fundente” que corre “entre nós e as palavras”?» (excerto de um texto escrito para a estreia da peça de Maria Emília Correia «O Gato que Chove», no Teatro Villaret, em Julho de 1997)
«Pastelaria» para ler outro poema de Mário Cesariny. |
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M. Cesariny, «Foragidos do Ozono» |
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