Saudade do teu corpo

Tenho saudades do teu corpo: ouviste

correr-te toda a carne e toda a alma

o meu desejo – como um anjo triste

que enlaça nuvens pela noite calma?...

Anda a saudade do teu corpo (sentes?...)

Sempre comigo: deita-se ao meu lado,

dizendo e redizendo que não mentes

quando me escreves: «vem, meu todo amado...»

É o teu corpo em sombra esta saudade...

Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:

a luz do seu olhar é escuridade...

Fecho os olhos ao sol para estar contigo.

É de noite este corpo que me assombra...

Vês?! A saudade é um escultor antigo!


António Patrício

Poesia Completa

Lisboa, Assírio e Alvim, 1989


ANTÓNIO PATRÍCIO

Nasceu em 1878, no Porto.

Poeta, ficcionista e dramaturgo, cursou Matemática na Academia do Porto, frequentou a Escola Naval de Lisboa e formou-se na Escola Médica do Porto. Tinha já alcançado prestígio na literatura quando se dedicou à diplomacia, sendo cônsul na Corunha. Foi, igualmente, cônsul em Cantão, Manaus, Bremen, Atenas e Istambul, ministro na Venezuela.

Enquanto a sua obra teatral trabalha os motivos peninsulares, a poesia reflecte a procura do absoluto no amor, a angústia sentimental insatisfeita, o impulso vital nietzschiano. Princípios do simbolismo, decadentismo e saudosismo podem ser encontrados nos seus poemas. Apesar de ter apenas publicado um livro de contos, trata-se de um marco na narrativa portuguesa do primeiro quartel do século, numa prosa tão conseguidamente poética quanto os seus versos.

Morreu em 1930, a caminho de Pequim, onde tomaria posse como ministro.


Algumas obras:

Poesia

Oceano (1905)

Poesias (1942)

Poesia Completa (1980)

Teatro

O Fim (1909)

Pedro, o Cru (1918)

Dinis e Isabel (1919)

D. João e a Máscara (1924)

Ficção

Serão inquieto (1910) – contos

Para ler um excerto de Pedro, o Cru.


© Instituto Camões, 2003