Lisboa com suas casas

De várias cores,

Lisboa com suas casas

De várias cores,

Lisboa com suas casas

De várias cores ...

À força de diferente, isto é monótono,

Como à força de sentir, fico só a pensar.

Se, de noite, deitado mas desperto,

Na lucidez inútil de não poder dormir,

Quero imaginar qualquer coisa

E surge sempre outra (porque há sono,

E, porque há sono, um bocado de sonho),

Quero alongar a vista com que imagino

Por grandes palmares fantásticos,

Mas não vejo mais,

Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras,

Que Lisboa com suas casas

De várias cores.

Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa.

À força de monótono, é diferente.

E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.

Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,

Lisboa com suas casas

De várias cores.

Álvaro de Campos

Poesia

Edição de Teresa Rita Lopes

Lisboa, Assírio & Alvim, 2002


FERNANDO PESSOA / ÁLVARO DE CAMPOS

Fernando Pessoa nasceu em Lisboa, em 1888.

Figura tutelar da cultura portuguesa, a sua sombra atravessou todo o século XX, particularmente em resultado do movimento de estudo e de divulgação verificado após a morte do autor, em 1935.

A heteronímia – cuja expressão mais imediata é a da pluralidade de sujeitos do universo pessoano - é uma das dimensões mais complexas da obra de Pessoa, continuando, por isso, a suscitar várias interpretações.

De Álvaro de Campos é particularmente conhecida uma face futurista, representada por poemas como «Ode Triunfal» e «Ode Marítima». Por seu turno, uma nota pessimista e melancólica é claramente dominante em outros poemas deste heterónimo, o que tem levado alguns críticos a sublinhar as suas semelhanças com muita da poesia assinada por Pessoa ele mesmo.

Das várias publicações existentes, destacam-se as seguintes edições críticas da poesia de Álvaro de Campos:

Poemas de Álvaro de Campos, ed. de Cleonice Berardinelli (1990)

Álvaro de Campos - Livro de Versos, ed. de Teresa Rita Lopes (1993)

Álvaro de Campos - Poesia, ed. de Teresa Rita Lopes (2002)


Pessoa na literatura portuguesa.

Visitar a Casa Fernando Pessoa e ler uma pequena antologia poética.


© Instituto Camões, 2003