A escrita é a minha primeira morada de silêncio

a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras

extensas praias vazias onde o mar nunca chegou

deserto onde os dedos murmuram o último crime

escrever-te continuamente... areia e mais areia

construindo no sangue altíssimas paredes de nada

esta paixão pelos objectos que guardaste

esta pele-memória exalando não sei que desastre

a língua de limos

espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos

as manhãs chegavam como um gemido estelar

e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar

outros corpos de salsugem atravessam o silêncio

desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo

Al Berto

O Medo

Lisboa, Assírio & Alvim, 1997


AL BERTO

Al Berto é o pseudónimo literário de Alberto Raposo Pidwell Tavares. Nasceu em Coimbra, a 11 de Janeiro de 1948, e viveu parte da sua infância e adolescência em Sines. Em 1967 saiu de Portugal para residir em Bruxelas durante vários anos.

Inicialmente, a sua poesia revelou-se de inspiração surrealista, na linha de Herberto Hélder. Posteriormente, optou por agrupar poesia e prosa, numa escrita-deambulação. Em 1988, recebeu o prémio Pen Club de Poesia pela publicação de O Medo. Este título reuniu num único livro (posteriormente ampliado e reeditado) a obra poética de Al Berto.

Faleceu a 13 de Junho de 1997, em Lisboa.

Algumas obras:

À Procura do Vento num Jardim d’Agosto (1977)

Trabalhos do Olhar (1982)

A Seguir o Deserto (1984)

Uma Existência de Papel (1985)

Lunário (1988)

A Secreta Vida das Imagens (1991)

O Anjo Mudo (1993)

Horto de Incêndio (1997)


Para conhecer melhor Al Berto.


© Instituto Camões, 2003