praias 1 na praia lá do guincho as velas de windsurf saltam sobre as ondas e o meu olhar, equestre, pula nos peitos das banhistas, enquanto um cachorro tenta agarrar a cauda. nos feriados tudo é insuportável menos o sol e o mar apesar das famílias. e sustendo as gaivotas na mais alta imaginação, porque hoje não vi nenhuma, o vento traz de tudo e antónio nobre e lorca às pandas roupas que modelam os corpos em míticas figuras com o seu drapejado esvoaçante, entre dunas e lixo e vendedores de gelados. restaria o campo, mas «no campo não há bicas nem paperbacks» diz uma amiga minha e tem razão. que seria de nós, bucólicos, sem esses indicadores da alma? dou lume a uma italiana e enquanto ela agradece ocorre-me que despi-la já não é cosa mentale; faz-me lembrar o algarve, mas no verão o algarve é a continuação da política por outros meios. antes a nortada, os surfistas, na crista da onda, a areia que entra no poema, e o regresso mais cedo, quando já não se aguenta. 2 agora que passaste muito queimada do sol o vento vem pela estrada até à duna com uma folha de jornal desdobrada aos baldões e as vozes dos piqueniques. tu desceste da moto e foste comprar um gelado, afastando impaciente algumas crianças. era a impostura para a sede, avivada pelos guarda-sóis de cor berrante. nas rochas havia alguns pares esfregando-se mais ou menos à vista. penduraste os óculos de sol no decote da blusa e o gelado avançou para os teus dentes muito brancos. tudo isto dava uma fotografia com o teu peito em grande plano e a cena reflectida nos óculos escuros. Vasco Graça Moura Antologia de Convívios Lisboa, Edições Asa, 2002 |
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VASCO GRAÇA MOURA Nasceu em 1942 na Foz do Douro. É um dos mais importantes poetas contemporâneos. A propósito de Antologia de Convívios, escreveu o autor: «Reúno, nesta antologia de convívios, um conjunto de poemas em que são referidos outros escritores, muitos deles, mas não todos eles nem só eles, determinantes para a minha própria escrita. Pareceu-me útil fazer o ponto dessas homenagens e evocações, em que algumas figuras são recorrentes e outras surgem, principal ou incidentalmente, em poemas que, de algum modo, têm a ver com elas. A poesia é também um exercício sobre a, e a partir da, escrita alheia, numa teia de relações sincrónicas e diacrónicas que se vai sucessivamente alterando, inflectindo e adensando.» Para saber mais sobre Vasco Graça Moura. |
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