Oh as casas as casas as casas


Oh as casas as casas as casas

as casas nascem vivem e morrem

Enquanto vivas distinguem-se umas das outras

distinguem-se designadamente pelo cheiro

variam até de sala pra sala

As casas que eu fazia em pequeno

onde estarei eu hoje em pequeno?

Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?

Terei eu casa onde reter tudo isto

ou serei sempre somente esta instabilidade?

As casas essas parecem estáveis

mas são tão frágeis as pobres casas

Oh as casas as casas as casas

mudas testemunhas da vida

elas morrem não só ao ser demolidas

Elas morrem com a morte das pessoas

As casas de fora olham-nos pelas janelas

Não sabem nada de casas os construtores

os senhorios os procuradores

Os ricos vivem nos seus palácios

mas a casa dos pobres é todo o mundo

os pobres sim têm o conhecimento das casas

os pobres esses conhecem tudo

Eu amei as casas os recantos das casas

Visitei casas apalpei casas

Só as casas explicam que exista

uma palavra como intimidade

Sem casas não haveria ruas

as ruas onde passamos pelos outros

mas passamos principalmente por nós

Na casa nasci e hei-de morrer

na casa sofri convivi amei

na casa atravessei as estações

Respirei – ó vida simples problema de respiração

Oh as casas as casas as casas



Ruy Belo

Todos os Poemas

Lisboa, Assírio & Alvim, 2000


RUY BELO

Rui de Moura Belo nasceu em 27 de Fevereiro de 1933 em S. João da Ribeira, Rio Maior. Entrou na Faculdade de Direito em Coimbra, tendo concluído o curso em Lisboa, em 1956. Em 1958, doutorou-se em Direito Canónico, em Roma. Publicou o primeiro livro em 1961, ano em que abandonou a Opus Dei. Em 1967 concluiu a licenciatura em Filologia Românica.

Foi Leitor de Português em Madrid e, em 1977, já em Lisboa, deu aulas no ensino secundário.

Ensaísta e crítico literário, foi um dos mais importantes poetas portugueses contemporâneos.

Morreu em Queluz, em 8 de Agosto de 1978.


Algumas obras

Poesia

Aquele Grande Rio Eufrates (1961)

O Problema da Habitação (1962)

Boca Bilingue (1966)

Transporte no Tempo (1973)

Toda a Terra (1976)

Obra Poética de Ruy Belo (1978) – compilação que reúne toda a poesia anterior


Ensaio

Poesia Nova (1961)

Na Senda da Poesia (1969)


Outros poemas de Ruy Belo.


© Instituto Camões, 2003