Ao Menino Deus em metáfora de doce


            Romance

       - Quem quer fruta doce?

- Mostre lá! Que é isso?

- É doce coberto;

É manjar divino.

       - Vejamos o doce;

Compraremos todo,

Se for todo rico.

       - Venha ao portal logo;

Verá que não minto,

Pois de várias sortes

É doce infinito.

       - Desculpa, minha alma.

Mas ah! Que diviso?!

Envolto em mantilhas,

Um Infante lindo!

       - Pois de que se admira,

Quando este Menino

É doce coberto,

É manjar divino?

       - Diga o como é doce,

Que ignoro o prodígio.

- Não sabe o mistério?

Ora vá ouvindo:

       Muito antes de Santa Ana,

Teve este doce princípio,

Porque já do Salvador

Se davam muitos indícios.

       Mas na Anunciada dizem

Que houve mais expresso aviso,

E logo na Encarnação

Se entrou por modo divino.

       Esteve pois na Esperança

Muitos tempos escondido;

Saiu da Madre de Deus,
depois às Claras foi visto.

       Fazem dele estimação

As freiras com tal capricho,

Que apuram para este doce

Todos os cinco sentidos.

       Afirmam que no Calvário

Terá seu termo finito,

Sendo que no Sacramento

Há-de ter novo artifício.

       Que seja doce este Infante,

A razão o está pedindo,

Porque é certo que é morgado,

Sendo unigénito Filho!

       Exposto ao rigor do tempo,

Quando tirita nuzinho,

Um caramelo parece

Pelo branco e pelo frio.

       Tão doce é que, porque farte

Ao pecador mais faminto,

Será de pão com espécies,

Substancial doce divino.

       É manjar tão soberano,

Regalo tão peregrino,

Que os espíritos levanta,

Tornando aos mortos vivos.

       Tão delicioso bocado

Será de gosto infinito,

Manjar real, verdadeiro,

Manjar branco, parecido!

       Que é manjar dos Anjos, dizem

Talentos mui fidedignos,

Por ser pão de ló, que aos Anjos

Foi em figura oferecido

Jerónimo Baía

In A Poesia Lírica Cultista e Conceptista

Lisboa, Seara Nova, 1968


Jerónimo Baía

JERÓNIMO BAÍA

Nasceu em Coimbra, em 1620 ou em 1630.

Frequentou a Universidade de Coimbra, foi frade beneditino e professor.

Célebre pelos seus dotes oratórios, foi pregador na corte do rei D. Afonso VI. Voltou ao convento depois da deposição do rei.

É considerado um dos expoentes da literatura barroca.

Faleceu em 1688 em Viana do Castelo.


Obras

Fénix Renascida (1716-1728)

Postilhão de Apolo (1761)


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